Em 2022 tivemos um grande destaque para o cenário feminino de League of Legends: o nascimento da Ignis Cup, o primeiro campeonato inclusivo realizado pela Riot Games. Dentro deste torneio uma figura ascendeu e se mostrou uma jogadora destaque: Flower, uma mulher trans que por conta de sua jogabilidade ganhou o Prêmio de Melhor Jogadora no Prêmio CBLOL.
Poucos dias depois, conversas particulares de teor sexual entre ela e uma adolescente foram vazadas nas redes sociais e nesta quarta-feira (21) a paiN Gaming divulgou oficialmente o desligamento da atleta Alessandra Ribeiro.
Contudo, não me aterei a este fato: Flower está sofrendo o reflexo de seus atos ao ser oficialmente desligada da paiN Gaming e quaisquer outras consequências futuras, legais ou não, serão decididas pelas autoridades competentes.
Mas precisamos falar de algo: pelo cenário, me deparei com muitas pessoas e personalidades se referindo a este acontecimento quase como um baque irreparável ao cenário feminino, como se este fosse oficialmente morrer e ficar manchado eternamente, além dos diversos ataques transfóbicos velados de “justiça”, é claro.
Quanto aos ataques transfóbicos que vieram à tona, a frase mais preocupante que li, repetidamente, escritas de diferentes formas e vinda de diferentes usuários do Twitter, foi: “um homem no cenário feminino sendo pedófilo, que novidade”. Esse tipo de insinuação, além de reforçar o estigma de pessoas trans estarem relacionadas à violência sexual infantil, quando 95.4% de abusadores infantis são homens cis de acordo com dados que podem ser acessados no Anuário Brasileiro de Segurança Publica de 2022, se enquadra como ato criminoso de transfobia reconhecido desde 2019 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As pessoas – ironicamente em sua maioria homens cis – estão se aproveitando deste caso para transformar o cenário inclusivo em excludente, ao querer a restrição de mulheres trans e não-binários.
Quanto ao “baque irreparável ao cenário feminino de LoL”, chega a ser cômico se deparar com essa visão. Realmente, não é possível adivinhar quais serão os reflexos desta polêmica no cenário feminino no próximo ano, mas algo é interessante: essa “preocupação” nunca existiu no cenário masculino – que somente em teoria é misto.
Deixem-me relembrá-los: recentemente o streamer e influenciador Kami, também da paiN Gaming, foi acusado de xenofobia. Wos, da antiga Vorax, foi acusado de abuso sexual. 4Lan foi processado por importunação sexual e continua com seus fãs. Outros jogadores estiveram envolvidos em diferentes polêmicas no ano de 2022 e até Tinowns, atualmente da LOUD, se viu no meio de acusações de agressão e abuso psicológico.
Todos eles permaneceram intocáveis, assim como o cenário.
Uma outra evidência de como o cenário consegue ser machista é que quando mulheres são vítimas, como foi o caso de Mayumi ao ter seus dados privados invadidos, elas acabam por receber ataques virtuais, possuem sua integridade questionada e são constantemente ligadas a este fato em sua carreira. Isadora Basile, atualmente do The Enemy, sofreu ameaças de morte e violência sexual enquanto apresentadora do Xbox Brasil – e foi demitida pouquíssimo tempo depois. Enquanto isso, há casos de homens do cenário que também estiveram no papel de vítima, passando por situações de exposição de forma relativamente branda.
O cenário inclusivo de League of Legends
O cenário feminino e inclusivo de League of Legends foi fruto de um trabalho lindo de Fogueta, Lahgolas, Tabs, Ravena, Namaria, Rafaela Tomasi, Anyazita, Babii e muitas outras mulheres, tanto no stage quanto no backstage, e das iniciativas que estavam por trás como ReveLAH Casters e InHouse Jinx, e têm tudo para superar isso e continuar firme e forte.
Diversas mulheres e pessoas não-cis tiveram a oportunidade de estar em um ambiente profissional, de ver seus sonhos se tornarem realidade, de competirem. Em termos de resultados houve um engajamento impressionante – a grande final atualmente possui 121 mil visualizações na Twitch e 153 mil no YouTube – para algo que nasceu agora e muita representatividade para grupos que são continuamente esquecidos no cenário machista dos esports.
Agora tudo o que podemos esperar é maturidade por parte da Riot Games em gerir a situação e das organizações interessadas em ingressar e investir no cenário inclusivo. Lembrando também que as únicas organizações do CBLOL que investiram na Ignis Cup foram a paiN Gaming e a Miners – nenhuma outra sequer esteve presente nas qualificatórias.