Olga "olga" Rodrigues, pro player de Counter Strike: Global Offensive da FURIA, é a dona do segundo melhor rating da final da ESL Impact Dallas 2022, torneio do qual seu time foi vice-campeão, e não só vive uma ótima fase no jogo da Valve após considerar migrar para o Valorant como fizeram diversas jogadoras, mas também se tornou a referência para pessoas trans e travestis que não teve quando iniciou sua carreira e atualmente representa um time alinhado com suas visões sociais.
O MGG Brasil conversou com a pro player, que atualmente disputa a ESL Impact Valencia 2022, torneio que assim como o de Dallas, também faz parte do GGForAll, circuito competitivo voltado para o cenário feminino que vem sendo uma garantia de que jogadoras não só do Brasil, mas também de outras regiões do mundo, ainda podem ver no CS:GO uma forma de ganhar a vida.
Olga se tornou para muitas pessoas a inspiração que não teve
A carreira de Olga como pro player começou em 2016, na Dai Dai Gaming. Em seguida, ela jogou pelas equipes SLK Gaming, StrongCore Gaming e Remo Brave E-sports, passando por este último em 2017. Naquele período a jogadora, que atualmente se identifica como uma travesti, iniciou seu processo de transição de gênero sozinha.
"Eu já pesquisava sobre tratamento hormonal e comecei a tomar por conta própria. É muito arriscado, mas ia demorar para conseguir um apoio médico. Não consegui continuar no cenário porque eu vendi peças do meu PC", contou a jogadora ao MGG Brasil em 2018, mesmo ano em que começou a ser treinadora da BootKamp Gaming.
"Duvido que deixariam que eu jogasse em um time de acordo com o meu gênero. Na verdade, eles têm que deixar, mas vejo muitas pessoas que ainda não aceitam isso”, disse a jogadora na época - posteriormente, ela sofreu preconceito no cenário feminino, já atuando como pro player, mas conforme seguia sua própria luta para vencer essa violência e o cenário de esports crescia com a presença de membros da comunidade LGBTQIAP+, Olga se tornou pro player da BootKamp, passou por New Eagles, Black Dragons e agora está na FURIA.
Com uma série de títulos na conta, como Athenas Challenge, BGS Esports 2021, Gamers Club Masters Feminina, várias boas colocações como o vice-campeonato da ESL Impact Dallas, entre outras conquistas, Olga também vem realizando o sonho de ver mais pessoas trans e travestis no cenário competitivo brasileiro.
Em nosso país, além dela, é possível citar como exemplos dessa comunidade a participante do reality show de LoL ULT Jessie, a pro player de LoL da Miners Ariel "Ari" Lino, a pro player de Valorant da B4 Júlia “jelly” Paiva, entre outras.
"Meu olhinho chega a ficar cheio de lágrimas, porque é uma coisa com a qual eu sonhava, sabe? Até comentei uma vez que era meu sonho ver mais pessoas trans nos esports, no FPS, porque não tinha. Tinha gente como streamer, mas é diferente, é diferente de ter um time, uma torcida para abraçar você. A Jelly é incrível, ainda mais quando falamos de pessoas trans tão novinhas, tem a xanzinha no CS também, eu converso com ela direto. Então, é o futuro. Quanto mais minas assim, melhor para o nosso cenário e espero que elas conquistem muito, porque têm todo o tempo do mundo. Eu fui para o meu primeiro mundial com 28 anos, então elas têm pelo menos mais 10 anos aí para frente", disse Olga.
No início de junho, quando estava prestes a embarcar para Dallas, nos Estados Unidos, para finalmente disputar seu primeiro torneio mundial, Olga ainda descobriu que havia outras três pessoas trans jogando na ESL Impact. "Foi o primeiro mundial depois da pandemia e já tinha quatro meninas trans, sabe? Não é só o Brasil que está vendo como é importante abraçar essas pessoas na comunidade. E eu vejo que já existe um resultado de toda a luta que a gente vive".
Para além "somente" da presença de pessoas trans e travestis no cenário competitivo, é preciso lembrar que é necessário que pessoas que estejam ligadas à diversidade, inclusão e representatividade também ocupem cargos administrativos dentro das empresas, nos bastidores, possibilitando mudanças internas e externas.
Atualmente, a FURIA possui um Departamento de Inclusão e Diversidade, organizado por Luiz Gustavo Queiroga. Para Olga, estar em uma organização que se propõe a pensar nessas questões é muito importante.
"A própria FURIA diz que não é só uma organização, é um projeto sociocultural. Eu sempre fui politizada em tudo o que faço, tudo o que falo. Sempre estou defendendo as pessoas ou comprando brigas, porque a gente só escutar as coisas que os outros falam e achar que esse é o modo certo de viver, as coisas não vão para a frente, não acontecem mudanças para as pessoas que fazem parte de minorias sociais. Fico muito feliz de ver a FURIA tendo essa proposta. [...] Poderiam pensar 'ah, é uma org de esports, o foco é esports, dane-se o resto', mas a FURIA não pensa assim, é muito incrível ver que faço parte de uma org que também pensa de um jeito mais político".
Ainda assim, a jogadora ressalta que dentro do cenário como um todo, é importante pensar sobre inclusão, diversidade e a comunidade LGBTQIAP+ não só em junho, durante o Mês do Ourgulho ou em janeiro mês da Visibilidade Trans. "É isso que falta para algumas marcas, para que sejam realmente inclusivas ao invés de exploradoras".
Boa fase e reconhecimento como jogadora
Olga é um exemplo para qualquer pessoa fora e dentro dos mapas do CS:GO, ela foi considerada a quinta melhor jogadora do cenário brasileiro.
"Treino muito muito muito. Por mais que eu seja um pouquinho teimosa, sempre escuto as críticas também, assim como também ouço os elogios. Esse é o meu foco, melhorar meus pontos fracos e manter minhas qualidades. Gosto muito de ver vídeos de ponto de vista dos jogadores da minha posição ou daqueles que têm um perfil como o meu, como o arT".
Ela revela que nem sempre se dá conta de como é uma ótima pro player, mas que o reconhecimento a deixa muito confiante. "Em Dallas, quando a gente ia jogar contra a ATK, uma das meninas falou: 'Olga, eu to com muito medo de jogar contra você' e eu pensei 'Caramba, eu sou essa pessoa?'. Achei que elas pensariam 'Ah, só tá amassando porque tem um monte de campeonato no Brasil, quero ver aqui fora', mas teve muito respeito".
Falando mais sobre esse tema, Olga revelou que a dominância da FURIA no cenário não atrapalha a evolução do time. "Isso motiva a gente porque começamos a pensar em novos cenários, como no misto, no qual ainda temos desafios. Não é só ser soberana no cenário feminino, é focar em ir de frente contra os caras, o que está difícil ainda. Estamos ali na Série B, não saímos dali, mas também não caímos. Mas cada vez mais o nível dos nossos treinos aumenta. É só treino contra times da Série B, às vezes da Série A, é bem pegado".
Preparação para ESL Impact Valencia
Após passar pelo fim de 2021 realmente considerando trocar o CS:GO pelo Valorant, já que o FPS da Riot Games estava recebendo muito investimento, principalmente com a realização do circuito feminino Game Changers, Olga, Kaah, GaBi, izaa e Mari voltaram a focar no jogo da Valve por conta do GGForAll, circuito feminino de Counter-Strike: Global Offensive organizado pela ESL.
Até o momento, três torneios internacionais foram anunciados: a ESL Impact Dallas, a ESL Impact Valencia, que acontece entre 1 e 3 de julho, e a ESL Impact Jönköping, que será realizada em novembro. De acordo com Olga, a FURIA estabeleceu três metas para todos eles: passar da Fase de Grupos para as semifinais, vencer as semis, classificando-se para a final, e por fim, ser campeã.
As jogadoras já garantiram o vice-campeonato de Dallas e agora, em Valência, têm uma nova chance de garantir um título. "Estamos confiantes, mas vamos manter os pés no chão e jogar round a round", disse Olga sobre o torneio.
"Fortalecemos os nosso mapas fracos e mantivemos o nível dos que gostamos. Para a Fase de Grupos, vimos os mapas que os times jogam e focamos nisso, mas também pensamos nos picks de uma possível BIG, da Nigma, que podem vir depois. A BIG por exemplo, joga Ancient, um mapa que poucos times jogam, então demos uma atenção para isso", explicou a jogadora.
Olga também elogiou a estrutura que a ESL vem oferecendo nos torneios do circuito GGForAll, mas ressaltou que outras equipes além da FURIA também reclamaram do formato que os grandes torneios de Dallas e Valencia receberam, com as semifinais e a decisão sendo disputadas no mesmo dia, o que pode afetar o desempenho de alguns times. A jogadora afirmou que a organização é bastante aberta em relação a feedback e que espera que o formato seja mudado para a edição sueca do torneio. Além disso, ela tem expectativas de que outras organizadoras de torneios, como PGL e BLAST, também criem torneios femininos - e com frequência.
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