Depois dos escândalos causados por pelos faciais da Aloy em Horizon: Forbidden West, pela presença de uma pessoa negra entre os elfos em O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, e o pouco que tem sido dito sobre a sexualização presente em Lost Ark, ainda há quem defenda firmemente a existência de uma grande conspiração para introduzir "diversidade forçada" na mídia cultural. Uma acusação da qual a Riot Games não escapou com League of Legends, que teria "sucumbido" à tentação de promover uma agenda política decidida em uma reunião pelas grandes forças abstratas que movem o mundo e "mancham" os videogames com política.
O Clube de Bilderberg, os Illuminati ou talvez a Igreja da Cientologia poderiam ser aqueles que idealizaram este plano maléfico para fins obscuros. Entretanto, cansados de mencionar organizações que nem mesmo entendemos, achamos que é hora de trazer uma teoria muito simples, que possa ser explicada em uma única frase. A Navalha de Ockham. Um princípio que diz que a opção mais simples é, geralmente, a mais correta. Literalmente: "quando duas ou mais explicações são oferecidas para um fenômeno, a explicação mais simples e completa é preferível".
A explicação mais simples para a mudança no design do LoL
Recentemente o MGG teve a oportunidade de conversar com August, líder de design de campeões do LoL. Com ele, pudemos entender um pouco mais sobre uma história de evolução que é muito simples de ser contada. Conhecido na comunidade por fazer streams e ser o principal responsável pela maioria dos campeões apresentados em Arcane, o que poucas pessoas sabem é que o criador de Jinx, Vi e Ekko já foi conhecido como Riot GypsyLord. Um nome escolhido em homenagem ao seu cão Cigano que poderíamos traduzir como "Senhor dos Ciganos".
À medida que August amadureceu e ganhou perspectiva global, o nick que o acompanhou durante toda a sua vida foi mudando devido às conotações ofensivas que tem na Europa. A sensibilidade com o povo cigano quase não existia nos Estados Unidos, portanto, após perceber um erro que hoje carrega o mesmo peso de um tweet feito em 2014, Gypsylord mudou seu nick para Groovylord, Jinxylord e finalmente se decidiu por August.
Atualmente, ele exibe quais são seus pronomes de tratamento na biografia do Twitter e nos surpreendeu com esta resposta sobre o que mais mudou na Riot desde que ele chegou na desenvolvedora, em 2012.
"Uma das maiores mudanças que tivemos nos últimos anos, e que eu acho incrivelmente boa, é que nos concentramos na diversidade e na representatividade. League of Legends é um jogo global e achamos importante que, já que estamos presentes em nível planetário, os jogadores do mundo inteiro possam se ver em alguns dos campeões. É importante que você possa jogar LoL e que haja um campeão para você. Não se trata apenas de jogabilidade. Trata-se de como eles se parecem, falam ou são. Nos últimos anos, nos concentramos muito nisso e tem sido uma grande mudança para o desenvolvimento dos personagens", revelou August.
Mesmo que existam momentos nos quais os designers recebem ordens, um dos aspectos positivos de trabalhar com jogos da Riot, segundo August, é "ter a liberdade de fazer coisas infinitas", trabalhando lado a lado "com artistas e escritores desde o primeiro dia". Longe de haver uma grande conspiração para limitar a liberdade artística, seus artistas preferidos mudaram de ideia. Não é coincidência que agora exista uma maior sensibilidade às questões de inclusão, nem que a ascensão de jogos como Genshin Impact impulsionou designs como os de Gwen ou Seraphine, nem que os primeiros anos do LoL foram cheios de feras, magos, arqueiros e paladinos por conta da influência de World of Warcraft.
Todos nós fantasiamos sobre o que nos interessa, gosta ou importa. Toda narrativa é moldada por histórias que já conhecemos e qualquer artista que não esteja disposto a ouvir constantemente está condenado à total mediocridade. Ninguém é imune a ideias, mas isso está longe de ser uma grande conspiração baseada no fato de que nós "guerreiros da justiça social", matamos O Senhor dos Anéis por fazê-los contratar um ator negro para o papel de um elfo. O mais provável é que diretores e roteiristas sintam que isso é melhor assim.
Gem “Lonewingy” Lim e seu impacto em Neon e Zeri
Ainda assim, a Riot Games ainda tem muito a mudar, e não é segredo que a cultura de discriminação de gênero da empresa resultou em uma indenização de US$ 100 milhões a todas as mulheres que já trabalharam na desenvolvedora. No entanto, funcionárias da empresa, como Kate Chironis, garantem que a Riot está no caminho certo graças às pessoas que agora trabalham para ela. Em suas próprias palavras, "ainda há muito a fazer", mas pelo menos agora existem equipes mais diversas, nas quais as opiniões são ouvidas e ela tem a "oportunidade de lutar a partir de dentro" da própria Riot.
Um bom exemplo disso está ligado aos lançamentos de Zeri no LoL e Neon no Valorant. A equipe de projeto de ambas as personagens teve diversas ideias, tentando criar uma história baseada na eletricidade, com uma delas representando uma carga positiva e a outra uma negativa. Como em Valorant os agentes têm nacionalidade e fazem parte de uma versão futura e alternativa do nosso mundo real, desde o início ficou claro que as duas seriam originárias das Filipinas.
Entre os participantes de ambos os projetos, estava o já mencionado August, mas tão importante quanto ele foi Gem "Lonewingy" Lim, que nasceu nas Filipinas. A artista conceitual teve não só uma grande influência no design das personagens, mas também na jogabilidade. Uma de suas ideias para representar os jogadores filipinos foi aludir a uma experiência compartilhada: os problemas elétricos das grandes cidades do país e seus apagões. Assim, Zeri tem uma história na qual não pode controlar sua energia elétrica volátil e, portanto, precisa de um canhão, enquanto Neon é limitada por uma barra de energia que se esgota para que ela não tenha sua velocidade sempre disponível.
Infelizmente, o setor de desenvolvimento ainda é dominado por uma maioria masculina e preconceitos são praticamente inevitáveis. Entretanto, agora estão entre eles pessoas com experiências de vida muito diversas, que influenciam como serão os personagens ou produtos que recebemos dos jogos. Sem Lonewingy, uma mulher das Filipinas, Neon e Zeri não seriam como as conhecemos hoje. O mesmo se aplica ao Akshan e sua relação com a Índia, a Samira e a Pérsia, a Neeko e o Brasil ou a Viego e a época conquistadora da Espanha.
Esta evolução no design da Riot também não foi isenta de erros. Ao longo do caminho, a empresa pecou ao "esquecer" as camisetas dos personagens masculinos e parou de criar monstros, mas agora a diversidade do design está começando a se tornar mais aparente. Zeri chegou com uma estética de anime e origem filipina, assim como Renata Glasc como uma "velha senhora", produto do multiculturalismo de Zaun, e em breve teremos mais um monstro, que dará ainda mais variedade ao jogo.
A Riot Games ainda precisa se reconciliar com o passado, lidar com uma reparação de danos e provar que este novo impulso é uma realidade, transformando o que é atual em tendência. Um processo que consistirá em continuar a conceder liberdades a uma equipa de produção que, se olharmos o quadro geral, parece abraçar o que a mudança implica. Não temos o direito ou o poder de perdoar suas ofensas e antigos erros, mas podemos desejar que, o que parece ser uma mudança, se aplique a mais desenvolvedoras.
Porque além de dar voz às nossas próprias experiências e corrigir uma injustiça história, essa mudança faz com que a gente perceba o quão chato e surreal seria pintar um retrato do mundo com uma única cor.