“Eu adoro fazer a engenharia reversa dos personagens e destrinchar os segredos deles”. É assim que o advogado Ronaldo “RondaldinhoBR” Mendes define seu perfil como competidor em Street Fighter V. O advogado carioca conquistou no dia 30 de maio a primeira etapa brasileira da Capcom Pro Tour 2021 e, com o título, garantiu vaga na oitava edição da Capcom Cup, prevista para ser disputada somente em junho de 2022 e que contará com a participação de 32 jogadores de diversas partes do mundo, definidos a partir de classificatórias regionais. O torneio também marcará o retorno de um evento oficial offline da CPT após o cancelamento da Capcom Cup 2020 em função da pandemia de Covid-19.
Embora tenha crescido como um jogador de games para PC, Ronaldinho entrou de cabeça no mundo dos jogos de luta quando Ultra Street Fighter IV ganhou sua versão para computadores, em agosto de 2014. Desde então, o carioca passou a jogar regularmente, mas ressalta que seu maior objetivo sempre foi se divertir com o jogo do que se dedicar a uma rotina de preparação e disputa de torneios oficiais da Capcom Pro Tour.
Tudo mudou entre o fim de 2020 e começo de 2021, quando a pandemia já era uma realidade no mundo e os torneios presenciais já haviam dado lugar a campeonatos locais disputados de forma exclusivamente online. Ronaldinho, que atualmente divide os treinamentos com a rotina de estudos para concursos públicos - em sua grande maioria paralisados em função da pandemia - passou a disputar os circuitos online mais tradicionais da comunidade brasileira de Street Fighter V, como o BR Kumite, do streamer e organizador de torneios Ryoran, e o PogChamp, do também competidor e streamer PauloWeb.
Rapidamente, Ronaldinho começou a se destacar nesses campeonatos, aparecendo constantemente entre os primeiros colocados, desbancando outros jogadores mais experientes em torneios e considerados favoritos e conquistando o título de etapas desses circuitos. Embora ainda fosse um jogador desconhecido fora do Brasil, o título da CPT não foi uma grande surpresa para quem acompanha a cena brasileira de perto. No caminho até o título, o carioca precisou superar vários dos principais jogadores do Brasil, como Eric “Chuchu” Moreira, Diego “Dark” Lins e Alexandro “Jah Lexe” Rodrigues na grande final.
Apesar da conquista do título, Ronaldinho sempre considerou a disputa de um campeonato como a Capcom Cup um sonho distante, mas a partir do momento que decidiu que tentaria para valer uma vaga no mundial de Street Fighter V, precisaria fazer dos campeonatos uma rotina em sua vida. Além disso, o jogador carioca passou a se dedicar a uma rotina regular de streams, e revela que não gostaria ser visto “apanhando direto nas lives”.
“Eu sabia que vinha a Capcom Cup, e é claro que a gente fica na esperança, mas parecia uma coisa meio utópica. Mesmo assim, eu decidi que ia tentar para valer conquistar uma vaga, e a primeira coisa que eu precisava fazer era pegar experiência de campeonato. Antes, eu sempre entrava sem grandes pretensões, mas ainda assim ficava nervoso, então eu precisava fazer dos campeonatos uma rotina, algo natural para mim. Quando eu jogava sozinho, não fazia muita diferença para mim ganhar ou perder, mas quando eu passei a streamar, passei a estudar o jogo e corrigir coisas que eu sabia que estavam erradas no jogo, mas que antes eu não ligava muito porque jogava só para me divertir”, conta.
A aposta em um personagem menosprezado
Justamente por ter como principal objetivo se divertir, Ronaldinho nunca teve como grande preocupação escolher personagens que aparecem entre os mais fortes das tier lists, e com o tempo acabou desenvolvendo gosto por jogar com bonecos considerados low tier. No fim, o advogado acabou se tornando um especialista no personagem Nash, que há muito tempo figura entre os menos utilizados no competitivo de Street Fighter V. Essa camada extra de desafio, contudo, funciona como um fator de desafio extra e motivação para Ronaldinho, como ele próprio admite.
“A minha namorada costuma dizer que essa minha escolha de jogar esse tipo de personagem é a minha vaidade. Eu não sou um cara vaidoso na vida, mas ela diz que e aí que eu mostro essa vaidade. Eu gosto de pegar um boneco e mostrar que ele não é tão fraco assim como todo mundo fica falando, e eu não sei bem porque eu tenho prazer em fazer isso, mas é algo que me motiva. Se eu escutar alguém falando que um personagem é fraco, eu tenho uma vontade instantânea de jogar com ele, não tem jeito. E é por isso que me incomoda muito quando falam agora que o Nash tá muito forte. Só no Brasil que falam isso, e só depois que eu comecei a ter bons resultados com ele”, argumenta.
Ronaldinho explica que um fator fundamental para ele ter desenvolvido gosto por estudar a fundo Street Fighter V é o fato de o jogo parecer simples, mas ter “muito mais camadas de complexidade do que aparenta”. Para ele, é nesse aspecto que o game da Capcom premia jogadores estudiosos.
“O Nash é um tipo de personagem que tem todo tipo de ferramenta, mas não é excelente com nenhuma delas. Uma coisa que me encanta no Street Fighter V é o fato de ele ser muito mais profundo do que aparenta. Eu me lembro que quando teve a mudança do SF IV para o SFV, muita gente reclamou que o jogo ficou muito simples, mas ele tem muitas mecânicas que precisam ser aperfeiçoadas para você jogar em alto nível. E é por isso que eu gosto tanto de jogar de Nash, porque ele não é um personagem nada óbvio, que exige muito tempo de treino para você aperfeiçoá-lo. Eu mesmo ainda tenho muita coisa para desenvolver no meu jogo com ele”
Dentro dos campeonatos, Ronaldinho já ficou conhecido por ser um jogador que, além de jogar de forma agressiva, não costuma poupar recursos, usando frequentemente o critical art (especial) de Nash no meio das lutas para ganhar vantagem de vida ou diminuir uma grande desvantagem. De modo geral, a maioria dos jogadores costuma guardar as barras que causam dano extra para golpes comuns para combos otimizados ou guardam o CA para finalizar lutas, mas o advogago tem um pensamento diferente sobre isso.
“Muitas vezes os caras guardam um especial que pode te dar uma baita vantagem de vida já no meio do round porque preferem usá-lo para finalizar a luta, mas eu penso de uma forma um pouco diferente. Se eu uso um super no meio da luta, conquisto uma vantagem grande de vida e já começo a recarregar as barras, enquanto meu adversário vai para o round seguinte sem gastar as barras dele. No fim de uma luta, eu posso ter usado de sete a oito barras enquanto meu adversário usou só 3 ou 4 porque ficou poupando recurso. Eu não nego que a minha estratégia é arriscada, mas ela também me traz uma recompensa grande, às vezes de meia barra de vida de vantagem já no começo de um round”, avalia.
Divisão entre treinos e rotina de estudos
Se dentro do jogo Ronaldinho mudou sua forma de jogar a partir do momento que resolveu se dedicar ao competitivo de Street Fighter V, o mesmo se pode dizer sobre sua vida pessoal. Com a pandemia de Covid-19, que paralisou praticamente todos os concursos públicos no Brasil desde março de 2020, o advogado revela que também promoveu mudanças em sua forma de se preparar para as provas, com mudanças importantes na metodologia de estudo.
“No momento eu estou parado e aproveitei a suspensão dos concursos para focar nos estudos, e felizmente eu tenho apoio familiar para fazer isso. Antes eu estava viajando direto para fazer prova e estava sempre batendo na trave, não conseguindo passar por pouco. Eu estava precisando reformular minhas táticas também nisso, e por isso eu mudei de curso preparatório, de metodologia de estudo, e senti que eu voltei a aprender de fato, porque antes eu estava me achando meio estagnado. Agora eu estou esperando as coisas voltarem ao normal, ou ao novo normal, para passar nessas provas e resolver minha vida logo.”
Apesar de ter conquistado o título da etapa brasileira da Capcom Pro Tour e já ter sua vaga na Capcom Cup garantida, Ronaldinho não recebeu premiação em dinheiro. Em comunicado no site oficial da CPT, a desenvolvedora e publisher do jogo alega que não premiará os jogadores devido às leis vigentes no Brasil, embora não esclareça quais. Isso significa, que, diferentemente de todas as demais regiões do mundo, que terão um pote de US$ 5 mil (R$ 25 mil) para o top 4, sendo US$ 2,5 mil (R$ 12,5 mil) para o vencedor, os jogadores brasileiros que terminam entre os quatro primeiros não são contemplados pelo incentivo financeiro.
Ainda de acordo com o regulamento, os vencedores das CPTs brasileiras que representarão o país na Capcom Cup poderão receber a quantia de US$ 2,5 quando forem disputar o mundial. A situação gerou controvérsia entre os jogadores, inclusive com ameaça de boicote ao evento do CPT e a realização de um torneio no mesmo dia e horário da CPT Brasil. A iniciativa acabou não indo para frente, e Ronaldinho, embora lamente a falta de premiação, considera que um boicote ao torneio oficial poderia ser prejudicial para a região.
“É óbvio que a premiação é um baita incentivo, principalmente porque todos os competidores daqui se dedicam por muito tempo ao jogo. A gente sabe que, na verdade, é a comunidade que faz a coisa acontecer, principalmente aqui no Brasil, em que a maioria streama todo dia sem ter retorno financeiro praticamente nenhum, e muitas vezes nenhum mesmo. A gente sempre está na esperança de conseguir alguma coisa, e uma premiação nesse valor, principalmente com o câmbio atual do dólar, seria algo maravilhoso”, desabafa.
“Pelo que eu entendi do regulamento, eu vou receber a minha premiação quando chegar à Capcom Cup, mas não ficou claro se seria o pote todo (US$ 5 mil) ou apenas a parte referente ao primeiro lugar (US$ 2,5 mil), mas é realmente uma situação injusta com os outros jogadores. Pelo que eu entendi, a falta de premiação envolve alguma questão legal com o Brasil. Sobre o boicote, seria até justo fazê-lo, e ele iria acontecer, mas é uma jogada arriscada, pois é difícil fazer todo mundo aderir e isso poderia ser visto pela Capcom até como um desinteresse nosso pelo jogo. Mesmo assim, acho que entregamos um torneio de nível altíssimo e o mais emocionante e equilibrado da CPT até aqui. Essa já é uma grande resposta sobre a força da nossa comunidade.”
Evolução homogênea da cena brasileira
Ronaldinho tem consciência de que com a classificação para a Capcom Cup garantida, a preparação para o campeonato mundial de Street Fighter V precisa intensificar ainda mais o ritmo de treinos e estudar ao máximo seus adversários. Até, ele ressalta que irá corrigir falhas em seu jogo na busca por uma campanha histórica para o Brasil.
“Todos os jogadores que vão bem nos torneios daqui estão num nível muito alto, mas é claro que há coisas para melhorar, sempre há. Agora que eu estou na Capcom Cup, eu vou meter ainda mais a cara e devorar o jogo nesse 1 ano até o campeonato. É hora de aparar todas as arestas do meu jogo, porque eu tenho certeza que todos os caras lá de fora vão fazer o mesmo. Quando eu chegar mais perto da Capcom Cup e eu já conhecer os meus adversários, eu vou fazer um estudo mais específico de cada um deles”, projeta.
O jogador também avalia que o equilíbrio entre os melhores jogadores do Brasil tem sido imprescindível para a evolução da cena brasileira de Street Fighter V como um todo. O jogador cita inclusive os treinos e trocas de experiências com veteranos da cena, como Keoma Pacheco, Thomas “Brolynho” Proença e Diego “Dark” Lins, como uma chave para sua evolução como jogador nos últimos meses.
“Tem muito talento aqui no Brasil, e temos muita gente nova chegando na cena e botando um jogo de altíssimo nível. E é fundamental termos vários jogadores de alto nível, pois eu mesmo aprendi muito jogando e perdendo para o Brolynho, o Keoma, o Dark. Se nós tivermos um jogador sobrando por aqui, beleza, ele vai ganhar a CPT, mas quando chegar lá fora, essa facilidade vai ser extremamente prejudicial. Essa união crescente da comunidade tem sido a chave para o jogo de todos evoluir e a nossa cena ficar mais forte.”