O título da Vitality na IEM Beijing-Haidian 2020 Europa de Counter-Strike: Global Offensive reascendeu um antigo e constante debate no cenário de esportes eletrônicos. O time francês utilizou não cinco, mas seis jogadores durante todo o evento - inclusive na final - e se apresentou como uma prova de que elencos maiores e com rotações de atletas podem funcionar muito bem. No entanto, será que este foi um caso isolado ou mais um presságio de que este é o futuro dos esports?
O MGG Brasil conversou com personalidades do CS:GO, League of Legends (LoL), Rainbow Six: Siege (R6), Free Fire, Playerunknown's Battlegrounds (PUBG), Valorant e Dota 2 para saber a opinião de cada um deles dadas as vivências que tiveram em cada uma destas modalidades.
CS:GO - Giovanni "gio" Deniz (ex-treinador, comentarista e analista)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Gio: "Honestamente, pela falta de profissionalismo e quantidade de investimento nas equipes para ter mais jogadores. No League of Legends é mais comum o reserva ser utilizado porque a publisher incentiva (e de certa forma, obriga) as equipes a ter e usar seus reservas. Principalmente pensando em elenco, numa determinada composição, jogador x ou y joga de forma diferente do outro e que é melhor para a próxima estratégia. No FPS, essa liberdade de estilos é um pouco limitada porque você não consegue treinar sozinho a padrão dos cinco e exige mais tempo de treino e repetições."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Gio: "O contra é o fator pressão da equipe titular, mas que de certa forma até se torna algo favorável, já que exige mais dedicação e performance dos titulares. Os prós no geral é forçar as equipes a estudar mais jogadas, estilos e variações dos seus próprios esquemas táticos. Você não saber o que vai vir dificulta o estudo, então o processo de adaptação é diferente, mas vai forçar equipes a ter mais analistas e ampliar suas comissões técnicas."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Gio: "A Vitality provou isso recentemente no CS e eu sinto que é o futuro sim. Se as equipes com seis jogadores provarem que os resultados são positivos, isso vai ser muito comum. No CS, especificamente, estamos no primeiro momento de testes, mas já é sabido que em 2021 muitas equipes querem investir nesse processo."
LoL - Gustavo "Melão" Ruzza (comentarista e analista) e Hugo Augusto "Galfi" Garcia (treinador)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Melão: "Vejo uma infinidade de variáveis que fazem os esports serem muito diferentes de esportes tradicionais, mas os dois principais são a possibilidade de treinar muito mais horas, por não ser um esporte físico, e as mudanças constantes nos jogos, com atualizações. Então se você "perde" tempo trocando jogadores, seus adversários não "perderam" esse tempo e conseguem alcançar níveis maiores de sinergia na equipe."
Galfi: "O cenário de esports ainda é muito novo. Não faz nem 10 anos que League vem sendo desenvolvido no Brasil de maneira séria e isso impacta em como descobrimos e lapidamos os nossos jogadores. Nos esportes tradicionais as categorias de base são cruciais pra implantar no atleta as noções da importância de pertencer a um grupo e do plantel como um todo, enquanto no LoL, até pouco tempo atrás, nós apenas arrancávamos o jogador da soloQ - uma atmosfera absolutamente individualista, sem necessidade de cooperação - e já o jogávamos na titularidade de um time da elite. Essa transição tem que ser feita com mais calma, implantando os valores corretos desde cedo na formação do atleta, para que ele entenda que a posição de suplente não necessariamente significa inferioridade técnica, mas uma ferramenta importante no arsenal de uma equipe. Acredito que hoje a falta de trabalho de base dá margem aos atletas para ser um pouco mais individualista do que deveriam."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Melão: "Você PRECISA ter jogadores reservas no seu elenco pelo simples fato de que imprevistos acontecem. Um jogador pode ficar doente, se machucar ou qualquer outra coisa que o impossibilite de jogar ou performar em seu 100%, então qualquer planejamento precisa ter um elenco maior do que os titulares, na minha opinião. Não vejo contras a não ser um custo maior de operação."
Galfi: "As vantagens são muitas na verdade. É mais uma perspectiva a respeito do jogo contribuindo no dia a dia, ou seja, uma cabeça a mais pensando na solução dos problemas. Além disso, a viabilidade tática e técnica da equipe aumenta muito, pois é sempre mais difícil se preparar contra equipes que contam com reservas de alto nível. Infelizmente, como os atletas não foram preparados para aceitar essa posição de suplente com responsabilidade, a desvantagem, às vezes, é a de enfrentar problemas de convivência, estresse desnecessário e a gestão de grupo acaba se tornando mais complicada caso você tenha como suplente uma personalidade que não foi preparada para aceitar e cumprir aquela função."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Melão: "Cada modalidade de esporte eletrônico vai ter suas peculiaridades que vão permitir mais ou menos espaço para trabalhar com elencos mais robustos, mas acredito que cada vez mais, quanto mais profissional e evoluído os esports forem, mais veremos times com elencos maiores e mais robustos. Precisamos também evoluir nos métodos de trabalho para conseguir descobrir as melhores formas de utilizar um elenco maior, além dos titulares."
Galfi: "Acredito firmemente que a rotação de jogadores e a utilização de suplentes vai ser cada vez mais comum sim. Inclusive, a chegada da franquia no League of Legends brasileiro e a introdução do sistema Academy é uma excelente oportunidade para que as organizações não só descubram, como também desenvolvam talentos com ética profissional e psicologicamente preparados para ajudar o grupo desde cedo, não só na titularidade como também atuando na reserva."
Rainbow Six - André "Meligeni" Santos (narrador)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Meligeni: "Existem muitas coisas que posso dizer que podem influenciar, desde aumento no custo, entrosamento com o time devido a uma agenda puxada de treinos, fazendo com que fique mais difícil de afinar as táticas mesmo mudando de jogador para uma partida específica, até mesmo dizer que é difícil você ter um sexto jogador de luxo, porque geralmente este jogador de alto desempenho provavelmente já é titular de alguma outra organização. Mas ainda acho que o maior problema é o custo que este jogador gera para a organização enquanto não é utilizado com muita frequência. No Rainbow Six Siege algumas organizações já adotam isso desde o início do competitivo, mas é muito mais utilizado como quebra galho do que especificamente para alguma tática contra um time ou até momento de campeonato."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Meligeni: O principal ponto é contar com alguém para substituir algum jogador com problema ou naquele dia que talvez não esteja em um bom momento. Pode também contar com o elemento surpresa. Por outro lado, como já havia comentado na primeira pergunta, o custo disso fica mais alto e nem sempre ele será utilizado, também devido a uma agenda corrida que os esports têm atualmente em sua grande maioria de modalidades, então não sobraria tanto tempo para ficar treinando com jogadores diferentes. É mais fácil afinar a tática com cinco do que com seis. Não que eu concorde, acho sim que estamos precisando ver mais disso, um jogador entrando entre mapas e trazendo algo de diferente ao jogo.
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Meligeni: "Atualmente ainda acredito que isso será uma prática situacional e poucas equipes se utilizarão disso, mas acho que aos poucos será necessário ter mais jogadores no elenco porque em certos momentos você passa a enxergar um meta de jogo tão estagnado com uma equipe X, que ao mudar somente um jogador de uma partida para outra pode fazer toda a diferença e trazer uma nova energia ao jogo, não só taticamente mas mentalmente."
Free Fire - Luis "Folha" Paulo (comentarista)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Folha: "De forma geral os esports ainda estão em estágio embrionário quando comparado aos esportes tradicionais. O futebol existe no Brasil desde meados de 1875, enquanto os esports da forma que conhecemos hoje vieram após os anos 2000 e está em um processo de evolução. Além disso existe a questão física que é limitante, então o atleta convencional é muito mais exigido fisicamente do que um atleta de esport, por isso vemos muito mais rotação de elenco."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Folha: "Os esports demandam muito emocionalmente e mentalmente dos atletas profissionais. Um elenco qualificado e com mais jogadores permite uma maior gama de opções e formas de pensar, isso traz para qualquer organização benefícios enormes em resoluções de problemas de formas criativas, que é um dos maiores problemas enfrentados em equipes profissionais que buscam achar algo funcional fora do meta. Isso, é claro, em um elenco equilibrado e com todos cumprindo suas funções da melhor forma possível, que é algo muito difícil de atingir, pois controlar ambições, emoções e os egos é um trabalho árduo e impiedoso. O elevado número de jogadores nas equipes pode dificultar esse trabalho, por isso deixo registrada aqui minha admiração aos managers e coaches que trabalham no cenário e que fazem um excelente trabalho."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Folha: "As equipes que acham o equilíbrio entre um elenco com boas opções além dos titulares e uma boa gestão pessoal, são sim o futuro e, em parte, já são a realidade dos esports. Vimos em 2019 um Corinthians campeão mundial com cinco jogadores que se alternavam de forma eficiente entre as quatro posições. No início do ano também teve a Team Liquid que usou a mesma receita e foi campeã brasileira com cinco jogadores que se alternavam de forma exemplar. Com o passar do tempo creio que veremos cada vez mais times utilizando o 'banco' de forma mais eficiente."
PUBG - Lucas "Nananga" Strada (treinador)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Nananga: "Por conta do cenário ainda ser imaturo em certas regiões e também pela alta carga de treinamento das equipes de esports - como todos sempre treinam com as equipes titulares -,ninguém quer ficar para trás e acabam por colocar todo o treinamento focado apenas nos jogadores principais. Na Ásia, cenário no qual estes pontos já foram mais maturados é mais comum existir jogadores no banco podendo entrar no andamento do torneio."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Nananga: "Os prós são ter sempre alguém preparado para substituir algum jogador que está com algum problema ou que não está em um bom dia e poder mudar o estilo de jogo de uma forma mais acentuada. Já os contras são os jogadores imaturos que tendem a gerar problemas por conta da rotação de jogadores, além de ser mais difícil deixar uma equipe com reservas 100% alinhados do que uma equipe apenas com jogadores titulares."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Nananga: "Acredito que sim, no futuro tudo vai estar mais desenvolvido e a tendência é formar sempre uma equipe maior, mais preparada e com mais opções - tanto em staff quanto em número de jogadores."
Valorant - Letícia Motta (Comentarista e host)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Letícia Motta: "Isso tem muita relação com o fator físico mesmo. No esporte tradicional vemos muitas substituições por limitações físicas, pois tem momentos que o jogador não está mais rendendo o mesmo em campo, então entra o reserva. Nos esports dificilmente isso atrapalha e numa série longa eu diria que o que mais pesa é o emocional mesmo. Pode até rolar algum cansaço físico, mas nada que, na minha opinião, seja tão impactante. Acho que os reservas acabam sendo utilizados de forma mais estratégica, especialmente porque "perder" espaço de titular é algo que já ouvi dizer que abala muito jogador."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Letícia Motta: "O pró é mais a variabilidade estratégica mesmo, pois se pode optar por um jogador que mentalmente pode estar mais tranquilo para entrar em um determinado momento da competição por exemplo. Já vi time que usava jogador mais novato como titular mas na hora de jogar um relegation, usou jogador experiente, o que é interessante também. Já o contra seria utilizar de uma forma que coloque o jogador titular numa posição de dúvida ou de competição. Não acho que o reserva deva competir posição com o titular, os dois devem trabalhar em sintonia para entender quando cada um vai jogar. Às vezes pesa o quesito 'ego' e o cara pode achar ruim ter alguém que pode se sair melhor que ele ou até 'roubar' o lugar dele, mas aí entra o trabalho da comissão técnica, na minha opinião."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Letícia Motta: "Acredito que contar com reservas é o futuro, até porque você precisa pensar que um jogador nem sempre vai poder render o seu melhor. Mesmo que o físico não seja uma questão aqui, o mental pode ser, dentre outras coisas como problemas off-game, ter o reserva para "suprir" uma necessidade e até para ser um ganho pra equipe. No entanto, pensar como um tapa buraco é fraco, tem que pensar como alguém que vem para somar e para se desenvolver, por isso eu acho super honesto jogadores novatos como reservas, porque aprendem muito no backstage. O problema são as coisas que impedem isso, desde batalha de ego até jogador que se nega a ser reserva ou falhas de utilização do time. É preciso pensar também que é necessário tempo para que o reserva se desenvolva."
Dota 2 - Romulo "haon" Capazzo (Manager e caster)
É muito comum vermos diversos esportes tradicionais contarem com uma rotação de jogadores dentro de uma equipe, cada um com suas peculiaridades. Podemos citar futebol, basquete, vôlei e mais. Por que você acha que até hoje isso nunca se solidificou realmente nos esports?
Haon: "Essa pergunta é bem complexa, mas um entre vários motivos seria a relação investimento/retorno. Geralmente os contratos possuem validade de um ano e valores bastante elevados. Algumas vezes na casa dos milhões para times de ponta, então ter um jogador é algo que precisa ser muito bem estudado. Não é como se fosse zagueiro ou goleiro, pois os jogos mudam a todo momento e é preciso escolher o jogador que atenda o posicionamento, perfil e mude junto com o jogo. Erros são mais fáceis de acontecer no esport e adicionado isso ao contrato do jogador em si, existem também os custos em geral - gaming house, alimentação, transporte entre outras coisas. Tudo isso sem saber se a pessoa irá performar bem. O mundo do esporte eletrônico é cheio de altos e baixos e, basicamente, um investimento de alto risco."
Em sua opinião, quais são os pros e contras de ter jogadores reservas em um time de esport?
Haon: "Alguns pros são as substituição no caso de "problemas burocráticos" (visto, passaporte e etc), de outro jogador por fadiga (física/mental) ou lesão e também trabalhar no jogador as partes que ainda estão em falta no restante da equipe. No caso do Dota 2, talvez ter um sexto player possa dar a oportunidade de trazer heróis diferentes do companheiros de time, mas que também estejam no meta. Outro fator interessante é que, apesar de estarmos falando em equipes, há o interesse de se manter como 'titular', sem dúvidas. Isso tira os jogadores da zona de conforto e faz com que estejam sempre em busca da evolução. Há também os contras, que no caso do Dota 2 envolvem maior custo em geral para a organização. O fato de ter uma pessoa a mais é algo grande, pois ela poder ter cultura, costumes e uma educação diferente, as quais irão se deparar com outras. Algumas relações não são tão simples."
Você acredita que ter um elenco maior e uma rotação de jogadores em uma mesma equipe é o futuro dos esports?
Haon: "Não sei afirmar se é ou não o futuro dos esports. Se as equipes mostrarem cada vez mais resultados, outras equipes também farão o teste. Tudo é uma questão de tempo. Se der certo, mantemos. Se der errado, descartamos."
Opiniões gerais
É notório que há pensamentos divergentes entre as modalidades, mas também diversos que se assemelham. Em um âmbito geral, as personalidades acreditam sim que elencos maiores são o futuro dos esportes eletrônicos. Tanto para substituir jogadores que não podem jogar por qualquer motivo que seja, quanto para rotações estratégicas, mudança de estilo de jogo, dificultar o estudo adversário e mais.
No entanto, muitos também chamaram a atenção para diversos problemas que vêm juntamente com isso. Os principais são o alto investimento - já que cada membro a mais demanda mais gastos com salário, alimentação, transporte, burocracias - e também a gestão pessoal que ainda é um grande problema nos esportes eletrônicos. Dentro disso, foi citado que o "ego" dos jogadores e a falta de preparo para saber lidar em ser um "reserva" ou jogar menos, podem ser fatais na convivência de um grupo.
E quanto a você, o que acha sobre o assunto? Quais são suas opiniões sobre as perguntas feitas aos entrevistados? Deixe aqui seu comentário, sempre com respeito.