Grandes influenciadores de esports mostram como apostar é lucrativo e divertido. A Betway patrocina a MIBR, equipe brasileira de Counter-Strike: Global Offensive. O feed no Twitter discute em qual partida apostar e quando. Em 2020 a apostas se tornaram um assunto recorrente entre as diversas comunidades que fazem parte dos esports e muitas dúvidas surgiram. Apostar é legal ou ilegal no Brasil? Por que os sites de apostas são todos estrangeiros? Como isso afeta os esports?
O MGG Brasil conversou com Mariana Chamelette, coordenadora regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de São Paulo, e Udo Seckelmann, advogado desportivo da Bichara e Motta e Mestre em Direito Desportivo Internacional, sobre como funcionam as apostas no Brasil e como elas influenciam os esports.
Quando as apostas chegaram nos esports?
Counter-Strike: Global Offensive
Apesar de ganharem cada vez mais destaque, as apostas estão presentes nos esports há bastante tempo, principalmente entre a comunidade de Counter-Strike: Global Offensive.
Em junho de 2018, a MIBR anunciou a betway como uma de suas patrocinadoras. A empresa foi fundada em 2006 e é uma das maiores do mundo no ramo das apostas. Mas fãs mais antigos desse cenário competitivo sabem bem como as apostas podem influenciar os esports.
Em 2014, a comunidade de CS:GO se chocou depois de ver a equipe iBuyPower perder por 16 a 4 para a NetcodeGuides.com. O resultado foi considerado inesperado porque a IBP era considerada favorita na disputa.
A partida levantou suspeitas em todo o cenário e uma investigação foi aberta. Na época, o jornalista Richard Lewis comprovou que parte do time havia apostado contra a própria equipe naquele confronto e perdido de propósito para garantir o lucro da aposta. Além disso, também foi descoberto que Sam “DaZed” Marine, membro da line-up, era co-proprietário da NetcodeGuides.com., o que só aumentou a desconfiança em cima do caso.
Em janeiro de 2015, a Valve finalizou sua investigação e puniu quatro dos cinco integrantes da iBuyPower, Sam "DaZeD" Marine, Braxton "swag" Pierce (atual brax), Keven "AZK" Larivière e Joshua "steel" Nissan, além de outros envolvidos no caso. Todos foram banidos de torneios por tempo indeterminado, e em 2016 a punição foi atualizada como permanente.
Eventualmente, alguns jogadores foram liberados para jogar um campeonato ou outro. O único pro player da line-up a não ser punido foi Tyler "Skadoodle" Latham, que venceu diversos torneios de CS:GO e recentemente trocou o jogo de tiros da Valve pelo da Riot - Valorant.
League of Legends
Em época de Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL), Gustavo "Baiano" Gomes e Sérvulo “Sheviii2k” Júnior são alguns dos influenciadores que falam abertamente sobre o assunto em redes sociais.
Não é incomum encontrar torcedores do CBLoL compartilhando em quais times apostaram, quanto ganharam ou perderam e contando como decidem sobre seus palpites.
Em julho, após uma partida do 2º split do CBLoL 2020 entre paiN Gaming e Prodigy Esports, funcionários da PRG Esports (atual Falkol Prodigy) receberam ameaças e ofensas de um apostador. A organização se posicionou sobre o caso nas redes sociais.
Em 18 de junho de 2019, o pro player Xiang "Condi" Ren-Jie foi banido por 18 meses de competições oficiais da Riot Games. Na época, o jogador confessou que havia apostado em um jogo de sua equipe, a LGD Gaming, durante o torneio National Electronic Sports Tournament 2019. O manager do time descobriu o que havia acontecido e passou a chantagear Condi para que ele entregasse mais jogos. O pro player confessou a situação à Riot.
Estes não são os únicos casos de apostas nos esports. StarCraft possui um grande escândalo de apostas em sua história e, recentemente, Rainbow Six Siege também ganhou um caso semelhante, embora menor.
Qual é a situação das apostas esportivas no Brasil?
Em 30 de abril de 1946, durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, foi estabelecido o Decreto de Lei Nº 9.215 que proibia a prática ou exploração de jogos de azar em todo o território nacional. Na época, as especificações sobre o que eram considerados jogos de azar no Brasil foram explicadas no Artigo 50 da Lei de Contravenções Penais.
De acordo com o Artigo 50, era proibido “estabelecer ou explorar o jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante pagamento de entrada ou sem ele”. Além disso, definia que jogos de azar eram aqueles em que o ganho e a perda dependiam exclusiva ou principalmente da sorte. As apostas esportivas se encaixavam nesta modalidade - com exceção das apostas sobre corridas de cavalos, desde que acontecessem apenas no hipódromo ou em locais autorizados.
“Naturalmente, os anos foram se passando e essa lei não previa o surgimento da internet”, explica Seckelmann. De acordo com o advogado, quando a internet chegou com força no Brasil, surgiu uma “área cinza” no mercado, porque a antiga lei que proibia os jogos de azar falava exclusivamente sobre oferecer apostas no país e não sobre apostar fora dele.
“De acordo com o direito penal, se você faz aposta em um site estrangeiro, que possui servidor em outro país, onde a atividade da aposta esportiva é legal, você está fazendo a aposta onde o site é sediado, e não no local em que você está”.
Hoje, os grandes sites que oferecem serviços de apostas esportivas no Brasil são todos estrangeiros. Portanto, se alguém utiliza um site internacional para apostar, mesmo que a página da empresa esteja em português, a transação é tratada como internacional, ou seja, não é ilegal utilizar sites estrangeiros de apostas.
Vale lembrar que uma empresa de apostas precisa de licença para funcionar. “Ter uma licença é como um pedigree para ter a confiança do apostador”, explica Seckelmann. Apostadores iniciantes e experientes sempre devem checar a licença do site no qual apostarão, pois páginas com licença são fiscalizadas, regulamentadas e possuem permissão para exercer tal atividade.
É importante ressaltar também que qualquer ganho com apostas precisa ser declarado no Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), mesmo que não atinja o limite anual do IR, como “rendimentos tributáveis recebidos de pessoa física e do exterior”.
Além disso, apostadores frequentes ou profissionais devem pagar um imposto mensal referente aos seus ganhos com apostas esportivas que tenham sido movimentadas de alguma maneira em bancos nacionais, para isso, devem procurar saber mais sobre o Carnê-leão.
Uma chance de regulamentar o futuro das apostas
Em 12 de dezembro de 2018, já no fim do governo provisório do ex-presidente Michel Temer, foi publicada a lei 13.756/2018, que “dispõe sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa”.
Dessa maneira, a lei agora permite que sejam realizadas apenas apostas de quota fixa, ou seja, quando o apostador investe seu dinheiro em um resultado e já sabe o quanto lucrará com seu palpite. Mas esta história não termina aqui.
De acordo com a Seção IV, Capítulo V, Artigo 29, § 2º, a exploração do mercado de apostas de quota fixa é exclusiva da União, que por meio do Ministério da Economia (antigo Ministério da Fazenda) oferecerá concessões sobre essa atividade, para que ela seja “explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial”.
Além disso, o § 3º indica que o Ministério da Economia regulamentará a situação desta nova prática no prazo de até dois anos, que pode ser prorrogado por mais dois anos.
Como o governo ainda não regulamentou o mercado, autorizações para que empresas terceiras explorem a atividade ainda não foram emitidas. Portanto, ainda não é permitido que empresas nacionais ofereçam serviços de apostas de quota fixa.
Até o momento, o Ministério da Economia publicou algumas minutas e criou consultas públicas sobre o assunto, para saber como os interessados no tema reagiriam. Portanto, o governo tem até 12 de dezembro de 2022 para resolver esta situação.
Segundo Seckelmann, atualmente, o principal objetivo da regulamentação é o interesse político. “O Estado já tentou proibir a aposta esportiva várias vezes, mas percebeu que é uma luta em vão. Então, ele pode fechar os olhos e fingir que isso não existe, ou, regulamentar e deixar o ambiente seguro para todos. Há muito dinheiro sendo movimentado nesse meio e eles querem pegar uma fatia do bolo para si em impostos, mas há outros objetivos e benefícios”.
A importância da regulamentação das apostas esportivas
Um mercado de apostas esportivas que não é legalizado e regulamentado está suscetível a uma série de erros e falhas graves, que vão desde deixar de arrecadar impostos que podem ser convertidos em melhorias na sociedade, até a falta de segurança do consumidor e a quebra da integridade do esporte.
Vale lembrar que, segundo Seckelmann, o mercado de apostas ainda é visto com maus olhos ao redor do mundo, mas segue acontecendo, principalmente em ambientes nos quais não está regularizado. O advogado também ressalta que empresas com permissão para funcionar “são muito bem regulamentadas, fiscalizadas e as maiores interessadas em não serem associadas a nenhum tipo de irregularidade”.
“Elas não querem que você se vicie e não querem oferecer apostas para menores de idade e ter problemas com o responsável no futuro. E principalmente, não querem que haja manipulação do esporte, porque aí a atividade perde credibilidade e as apostas diminuem. Os grandes interessados em ter um esporte íntegro e limpo são as operadoras de apostas. Elas se preocupam em investir em fiscalização, monitoramento de apostas suspeitas e muito mais. Quando há algo de errado, elas mesmas cancelam as apostas, devolvem o dinheiro dos apostadores e abrem investigações”, explica Seckelmann.
Quais são os benefícios da legalização e regulamentação do mercado de apostas?
Integridade do esporte e o combate à manipulação de resultados
Para Chamelette, a integridade e a imprevisibilidade do esporte são tão relevantes quanto o esporte em si. “Se houver uma partida da qual você já sabe o resultado final, você não terá interesse em assistir ao jogo. A graça do esporte é justamente ele ser imprevisível, é isso que o torna tão interessante”.
O mercado ilegal de apostas tem o poder de acabar com a integridade e a imprevisibilidade dos esports - e de qualquer outro esporte. Por meio dele, é possível manipular resultados, prática que em inglês é chamada de match fixing. Isso acontece principalmente por meio de subornos, chantagens e ações corruptas em geral.
“Existem quadrilhas ao redor do mundo livremente aliciando jogadores, árbitros, dirigentes, comissões técnicas e outros grupos. Vale lembrar também que apostas podem ser feitas em lances e não apenas em resultados”, explica a advogada. Isso significa que um clutch ou roubo de Barão também poderiam ser frutos de manipulação dentro de um esquema de manipulação do esporte eletrônico.
Essas quadrilhas especializadas em manipulação de resultados atuam em diversos lugares do mundo e acompanham de perto principalmente as divisões mais baixas de quaisquer modalidades. “Elas aliciam o atleta para que ele manipule o resultado dos jogos. Dessa maneira, podem fazer apostas atípicas, em resultados improváveis, para ficar com o lucro. Isso não é bom para o esporte e nem para a casa de apostas”, diz Chamelette.
“Os atletas que competem em divisões mais baixas costumam receber pouco para atuar, então eles são muito mais suscetíveis e vulneráveis a aceitar a compensação financeira de um apostador que diz ‘Se você fizer um pênalti ou sofrer um gol, eu ganho R$ 10 mil e divido esse dinheiro com você’, usando como exemplo o futebol. Isso acontece não só com jogadores, mas também com árbitros e outros profissionais. É algo ao qual todos devem se atentar”, explica Seckelmann.
Segundo Chamelette, a manipulação de resultados é crime passível de punição no Brasil. A nível criminal, alguns tipos penais previstos no Estatuto do Torcedor punem quem paga para falsear o resultado de um jogo e quem recebe.
“Além disso, há penas previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Quando falamos de futebol, por exemplo, isso está previsto no código de ética da FIFA e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Existe até mesmo uma divisão específica da Interpol focada em investigações de manipulação de resultados”.
Segundo os advogados, atualmente muitas instituições contratam empresas de fiscalização e monitoramento de apostas. Alguns exemplos são betgenius e Sportradar.
“Esse serviço vem sendo adotado pelos próprios sites de apostas, como mecanismos internos, já que eles são os que mais perdem dinheiro quando a manipulação acontece. O interesse de combater a manipulação tem que ser do próprio apostador, da casa de apostas, do atleta, do treinador, dos donos de times, de todo mundo, porque se a integridade se perde, todo mundo só tem a perder. A credibilidade do jogo acaba quando ele não é limpo e imprevisível”, completa Chamelette.
Quando questionado se as próprias desenvolvedoras dos jogos poderiam investir em maneiras de monitorar as partidas que organiza e que estão presentes nos sites de apostas, Seckelmann diz que isso é necessário.
“Ao meu ver, qualquer esporte que queira ser considerado sério precisa contratar uma empresa que preste serviços de integridade, fiscalização, monitoramento e que possa receber denúncias anônimas de maneira segura. Qualquer modalidade depende de um tripé, que é balanço competitivo, qualidade do entretenimento e integridade esportiva. Se você não conseguir sustentar esse último, todo o sistema cai. Se um esporte não consegue garantir que é íntegro, ele cai e ninguém mais se interessa por ele”.
Mas, segundo ele, essa fiscalização e monitoramento não são a atividade final das desenvolvedoras. “Será que essas empresas fariam o investimento necessário para ter a estrutura correta para fiscalizar isso? Essa não é uma estrutura barata. Você precisaria fiscalizar os sites de apostas do mundo todo, há milhares de pessoas trabalhando para monitorar isso, vendo volume de apostas, coletando dados e afins. É muito mais fácil contratar uma empresa que seja especializada nesse tipo de serviço”.
Atualmente, os livros de regras de torneios como Campeonato Brasileiro de League of Legends, Circuito Desafiante e Brasileirão de Rainbow Six Siege informam que é proibido qualquer membro desses circuitos competitivos se envolverem com apostas, inclusive juízes. No caso do CBLoL e do Circuitão, a Riot Games também proíbe que o uniforme das organizações promovam sites de apostas.
Atração de investimento internacional
Com a regulamentação sendo feita da maneira correta e atrativa para empresas internacionais, elas provavelmente abrirão escritórios no Brasil. As casas de aposta terão um CNPJ, poderão gerar empregos diretos e indiretos e pagarão impostos para o governo.
Prevenção contra lavagem de dinheiro
Segundo Chamelette, o dinheiro do lucro de apostas não pode ser considerado lavagem de dinheiro. “Lavagem de dinheiro tem como pressuposto um crime antecedente. Apostar em sites estrangeiros não é crime, logo, esse dinheiro não é sujo”.
Quando questionada se o dinheiro envolvido na casa de apostas estrangeira, decorrente de um crime, poderia trazer problemas para um apostador brasileiro, ela explica a situação.
“Aí sim teríamos um problema, mas geralmente o dinheiro de casas de apostas é declarado. Essas empresas são grandes, se elas fizerem algo errado, são elas quem perdem dinheiro com isso. Não é impossível que aconteça, mas a regulamentação da lei visa justamente que isso não ocorra, ela é importante para que as coisas sejam fiscalizadas”.
Segurança do consumidor
Um dos medos de muitos apostadores é investir dinheiro nessa atividade, obter lucro e não conseguir sacá-lo. Se uma empresa estrangeira de apostas, sem atividade presencial no Brasil, aplica um golpe em seus clientes brasileiros, eles não conseguem processá-la aqui, precisam ir até o local no qual foi concedida a licença da casa de apostas.
Grandes apostadores profissionais provavelmente possuem condições financeiras de abrir um processo em território internacional, mas como ficariam aqueles que não possuem? “Se o mercado for regulamentado e as empresas abrirem escritórios aqui, os apostadores poderiam processar quem quisessem por aqui, sem ter que ir até o país em que a casa de apostas está licenciada”, explica Seckelmann.
O advogado ressalta que “a aposta nada mais é do que uma forma de entretenimento. Os apostadores recreativos querem dar mais emoção para os eventos esportivos. Se eu vejo uma partida qualquer de esports e não torço para um time, não me importo tanto com ela, mas se eu apostar, terei um motivo para torcer. No fim das contas, essa é uma forma de entretenimento como qualquer outra”.
Saúde do consumidor e proteção aos menores de idade
Outro ponto importante é a saúde do consumidor. Como mencionado anteriormente, ter pessoas viciadas jogando não é interessante para as casas de apostas. “Todos os países que legalizaram e regulamentaram apostas são preocupados com o jogo responsável, então quando você ganha uma licença para exercer essa atividade, é obrigado a ter métodos de jogo responsável para evitar o vício, cada empresa adota seu próprio método”, explica Seckelmann.
Além disso, com a regulamentação e a fiscalização, o risco de apostas feitas por menores de idade diminui drasticamente. Esse também é um dos pontos importantes para garantir uma licença, provar que a empresa tomará os cuidados necessários para evitar tudo aquilo que possa interferir no jogo responsável.
A regulamentação das apostas esportivas no Brasil pode garantir mais segurança não só para os apostadores, mas também para o ecossistema dos esports, protegendo a competição e todos aqueles que estão inseridos nela.
Hoje, não há uma maneira mais direta de acompanhar a situação da regulamentação do mercado de apostas no Brasil, a não ser por meio de notícias. Eventualmente, o site do Ministério da Economia publica textos e atualizações sobre o assunto.