Rodrigo "biguzera" Bittencourt tem apenas 24 anos de idade, mas já é uma pessoa "vivida", como ele mesmo colocou em entrevista ao MGG Brasil. Neste mesmo bate-papo, o jogador de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) da paiN Gaming contou mais sobre sua história e dos altos e baixos que já viveu. Da perda dos pais e trabalho com tuk-tuk até o nascimento da filha, domínio do cenário brasileiro e viagem ao Estados Unidos, conheça a ascensão de biguzera.
Infância e traumas
Biguzera teve uma infância bem ativa e admite que aprontava bastante. Mesmo ainda novo, ele diz que teve um amadurecimento mais rápido, pois só andava com amigos mais velhos do condomínio onde morava. Assim como grande parte da juventude brasileira, teve o sonho de ser jogador de futebol, mas desistiu ainda na adolescência por achar muito "desgastante".
Antes de ser conhecido como biguzera, Rodrigo morou até os oito anos em Macuco - o menor município do Rio de Janeiro - e depois disso foi para Niterói, onde permaneceu até a adolescência. Ele chegou até a morar na Irlanda por oito meses para aprender inglês, trabalhando em diversos empregos que foram desde ajudar em obras até pilotar tuk-tuk. No Brasil, também prestou ENEM e fez engenharia, mas desistiu por não se dar bem com a matéria Cálculo.
As várias experiências de biguzera o formaram como pessoa. No entanto, o que muitos não sabem foram os traumas extremamente pesados que ele viveu ainda muito novo. Durante todo este período, foi seu irmão, apenas cinco anos mais velho, que se tornou seu porto seguro.
"Meu pai era prefeito de Macuco e foi assassinado. Meu irmão também levou três tiros que atravessaram as pernas e ele ficou a um milímetro de morrer, mas depois conseguiu sair dessa. Em 2014 foi a minha mãe que faleceu. Neste tempo todo o meu irmão sempre foi uma figura paterna para mim, assumia as broncas lá de casa, batia no peito e falava 'deixa comigo'. Ele também sempre me deixou muito aberto para escolher o que eu queria fazer, até porque é difícil você chegar para os seus pais e falar que quer jogar computador, mas meu irmão sempre me apoiou no que eu queria, independentemente do que fosse. Ele foi o pai que eu não tive, mesmo eu tendo um pai por certo período, pois até 7, 8 anos não lembramos de muita coisa. O que ficam são algumas memórias e histórias que contam dele."
Maurício Bittencourt, pai de biguzera, foi eleito em 1996 e deixou esposas e filhos após ser assassinado a tiros em 2006. De acordo com a Justiça, as motivações por trás do crime foram "torpes". Até hoje Macuco carrega este péssimo histórico, já que em 2015 mais um prefeito foi assassinado - este no entanto, as investigações concluíram que foi por motivações políticas, de fato.
Os primeiros passos de biguzera no Counter-Strike
O primeiro contato que biguzera teve com o Counter-Strike, ainda na época do 1.6, veio após um amigo - o qual ele chamava de "rato" - instalar o game em seu computador. Mas a vontade de jogar veio mais por influência do irmão, que o levava para jogar em lan houses, principalmente em Búzios, litoral do Rio de Janeiro.
Já o CS:GO biguzera conheceu em 2015 e, assim como a maioria, começou a jogar nos famosos matchmakings: "Todo MM era tipo 50, 60 bonecos. Eu só jogava igual um louco e as coisas davam certo", contou rindo. Porém, por se destacar entre os amigos, todos falavam que ele deveria investir e virar jogador profissional. No início ele não considerava os comentários e achava que o nível profissional era muito distante do dele.
Ele passou a levar o CS:GO mais a sério quando um amigo de Niterói o chamou para jogar em um time e começar a disputar as ligas da Gamers Club, começando pela Amadora. Na primeira que ele disputou conseguiu subir para Principal e por lá bateu na trave diversas vezes na tentativa de chegar à Pro. No entanto, biguzera ainda conseguia se destacar individualmente nos lobbies da Gamers Club e Faceit e por isso montou uma line-up ainda mais forte e competitiva, com nomes como Eduardo "dumau" Wolkmer e Arthur "f4stzin" Schmitt.
A partir disso eles começaram a vencer torneios menores, chegaram à Liga Pro e ainda disputaram a final da Brasil Premier League (BPL), na qual biguzera cravou seu nome no cenário de vez. Mesmo perdendo uma das partidas por 16 a 8, o jogador, na época representando a NOORG, eliminou 41 adversários e morreu apenas 17 vezes. Imediatamente após a partida o frag dele viralizou até internacionalmente e biguzera sequer sabia o que estava acontecendo.
"Quando acabou o jogo eu lembro direitinho que estava rolando um churrasco lá em casa. Fui tomar minha cervejinha e meu irmão me perguntou como foi o jogo, aí eu falei que perdemos, mas eu fui bem. Porém, juro, eu não tinha visto o status do jogo. Só lembro que eu tinha criado Twitter há uma semana atrás e tinha muita gente me marcando, tinham coisas sobre mim na HLTV, Reddit e até o Don Haci publicou a print do jogo... eu realmente estava sem entender, porque não tinha percebido quão bem eu fui. Eu já revi esse jogo várias vezes e fico pensando 'caraca, eu estava com muita mira mesmo'."
Biguzera também comemorou a vida
Em meio a certo caos, perdas doloridas e idas e vindas de sua história, biguzera também comemorou a vida. O nascimento de Ana Julia, filha do jogador, foi o presente que o destino lhe reservou após tanto lhe tirar.
"É aquilo, umas coisas vão e outras vem. Do mesmo jeito que eu tive perdas muito rápido, também ganhei coisas muito rápido e ela [filha] é a melhor coisa que já me aconteceu. Sei que é clichê, pois todo mundo fala isso, mas é verdade, é um sentimento diferente que não dá para explicar. O amor por que sinto por ela é inexplicável."
Biguzera conta que infelizmente não pode acompanhar tanto o crescimento da filha por estar nos Estados Unidos, enquanto ela e a mãe permanecem no Brasil. O pro player conta que já até falou com a paiN para tentar mudar isso quando houver uma melhora no quadro da pandemia. Até lá, um pouco desta saudade imensa é sanada do jeito que dá, pela internet.
"A distância mata qualquer pai ou mãe. Mas felizmente quase todo dia eu falo com ela e ela é muito engraçada, adora falar comigo e eu curto muito falar com ela. Damos muitas risadas no telefone e o melhor é que todos falam que ela é minha cópia. Ouço todos falarem que a Ana Julia é igualzinha a mim quando era neném, tanto na aparência quanto nas coisas que faz. Até o dedão do pé eu postei um comparativo no Instagram mostrando o quanto é parecido. Ela é minha miniatura mesmo!"
Sucesso, período sabático e reviravolta
Fora o nascimento da filha, a ascensão de biguzera no CS:GO também foi uma ótima fase de sua vida. Após chamar tanta atenção, ele se juntou à ex-escalação da Team Wild, o grupo fechou com a paiN Gaming e a partir disso ele e seus companheiros deslancharam no cenário nacional.
Houve uma época que a paiN se tornou uma espécie de "dona" do Brasil quando o assunto era CS, conquistando praticamente tudo o que disputou. Entre as grandes conquistas estão splits do Clutch, LA League, Brasil Game Cup, Gamers Club Masters, Aorus League, Liga Pro e mais.
Quando tudo estava dando certo para a paiN na cena nacional, o caminho mais óbvio para os jogadores foi planejar uma mudança para os Estados Unidos. No entanto, mesmo com tudo encaminhado, a pandemia do Covid-19 atingiu o mundo em cheio e frustrou os planos da equipe. Biguzera e seus companheiros abdicaram de diversas vagas, foram impedidos de viajar e se viram de mãos atadas, sem opções e sem perspectiva. O jeito foi se segurar da melhor maneira possível, apenas treinando, jogando pouquíssimos campeonatos que surgiam e torcendo para que finalmente pudessem dar continuidade ao próprio sonho.
Próximo ao fim de 2020 a paiN finalmente conseguiu viajar para a América do Norte e passou a morar e jogar na região. No início o caminho é duro, pois é preciso passar por diversas etapas até chegar aos níveis maiores. Biguzera e companhia, no entanto, tiveram esta paciência e começaram a subir, degrau por degrau, vencendo divisões mais baixas da ESEA, disputando qualificatórias para torneios grandes e batendo na trave algumas vezes nas competições mais importantes, principalmente para a pedra no sapato Extra Sault.
Hoje, de acordo com a HLTV, a paiN Gaming está entre as 24 melhores equipes do mundo. Falando sobre line-ups majoritariamente brasileiras, é a segunda, atrás apenas da FURIA e na frente de outras com mais apelo midiático como MIBR e GODSENT.
Quando perguntado se considerava a paiN a segunda melhor brasileira atualmente, biguzera titubeou no início, mas no final desceu do muro e cravou sua opinião:
"É uma pergunta meio intimidadora, eu diria, pois não sei se somos a segunda melhor do Brasil, mas sim uma que tem apresentado o segundo melhor CS", disse ainda pensando na melhor resposta. "Nós temos disputado e mostrado bons resultados por aqui, apesar da inconstância que rola muito neste nível. Mas eu considero sim o segundo melhor time, meio que empatado com a MIBR", completou cravando que a paiN é a top 2 do Brasil com a MIBR muito próxima e a FURIA em primeiro.
Os longos 24 anos de biguzera valeram a pena
Biguzera teve longos 24 anos, pois viveu de tudo um pouco em um curto período. Ao mesmo tempo, ele ainda tem toda a vida e também carreira pela frente. No bate-papo com o MGG Brasil, ele deixa claro que está contente com o que já conseguiu, mas nunca satisfeito e quer mais: "A sensação não é de dever cumprido, mas sim de estar no caminho certo", explicou.
Se hoje biguzera pudesse olhar para o pequeno Rodrigo de muitos anos atrás, seu conselho seria apenas um só: "Simplesmente continuar. Digo isso porque ele passaria por tudo que passei e se tornaria quem eu me tornei. E querendo ou não, eu me orgulho da pessoa que sou hoje".
Ainda não sabemos quais os próximos capítulos na história de Rodrigo "biguzera" Bittencourt, mas estaremos aqui para assistir e contar cada um deles. Quem sabe no futuro não relembramos desta mesma entrevista com novas conquistas e episódios para compartilhar.