No futebol, estádios menores, com arquibancadas próximas ao gramado e com uma torcida gritando incessantemente em apoio ao time de coração normalmente recebem o apelido de "caldeirão". Durante a disputa do IEM Rio Major 2022, primeiro mundial de CS:GO da história disputado no Brasil, a torcida local transformou o anfiteatro do Riocentro, um local que normalmente recebe convenções, palestras e eventos bem mais "silenciosos", num local pulsante e de suporte irrestrito a todos os times brasileiros que disputaram o Challengers e Legends Stage, etapas do Major que tradicionalmente são disputadas somente em estúdio.
Seja pela carência de grandes eventos de eSports no Brasil nos últimos anos, pelo fato de ser o primeiro Major para o público brasileiro ou pelo simbolismo de ver num mesmo palco figuras históricas do CS:GO brasileiro e mundial, como Fallen, Coldzera, S1mple e Karrigan, e estrelas em ascensão, casos de KSCERATO, Yuurih e Degster, a torcida brasileira fez história em duas etapas do Major nas quais, historicamente, a única forma de torcer é online.
A atmosfera, de apoio total aos times brasileiros e enorme pressão sobre os adversários das equipes locais, foi amplamente elogiada por estrelas do CS:GO mundial, como S1mple e Karrigan, e abriu espaço para a possibilidade de futuros Majors replicarem, ao menos em parte, o modelo adotado no Brasil, com arenas menores sediando o Challengers e Legends Stage, enquanto os palcos principais, como arenas com capacidade entre 15 e 23 mil espectadores, recebendo os playoffs do Mundial de CS:GO.
Enorme demanda por ingressos foi primeiro sinal de força
Desde o anúncio oficial do IEM Rio Major, a enorme procura e rápido esgotamento de ingressos já sinalizavam a força de um público, ao mesmo tempo, carente e sedendo por um Major no Brasil desde o adiamento/cancelamento da ESL One Rio, que não pôde ser realizada em maio de 2020 em função da pandemia de Covid-19. Mesmo sem a certeza de quando o Mundial seria novamente anunciado, muitos fãs que compraram ingressos ainda em 2020 mantiveram seus bilhetes de entrada em vez pedirem reembolso, o que contribuiu ainda mais para a escassez de ingressos na IEM Rio.
Naturalmente, as reclamações se multiplicaram pelas redes sociais, com duras críticas à Eventbrite, empresa responsável pela venda das entradas, e à ESL, organizadora do evento. Diante de tamanha pressão e demanda reprimida de ingressos, a ESL anunciou em setembro que o Major do Rio teria público em todos os dias de evento, uma fan fest do lado de fora da Jeunesse Arena, sede dos playoffs, e uma reformulação do layout do palco do Champions Stage para acomodar mais espectadores.
Essas mudanças, associadas ao rápido esgotamento de ingressos na maioria dos 12 dias de jogos, foram os primeiros sinais da festa que o público brasileiro seria capaz de realizar. A confirmação veio já nos primeiros dias do Challengers Stage, especialmente quando Imperial, FURIA e 00 Nation pisaram na arena montada no Riocentro, com espaço para aproximadamente 5 mil torcedores.
O "caldeirão" incessante do Riocentro
Desde o primeiro dia do Major, marcado pelas derrotas de FURIA, Imperial e 00 Nation, o público que compareceu ao Riocentro demonstrou que, ganhando ou perdendo, as equipes locais teriam suporte incondicional. Com cantos adaptados de torcidas organizadas de futebol e o hit instantâneo "Poropopó", entoado tanto em estádios quanto em jogos universitários, o público deu um verdadeiro show mesmo quando o resultado era negativo.
Apesar das eliminações de 00 Nation e Imperial ainda no Challengers Stage, com 3 derrotas e nenhuma vitória, a FURIA manteve o público brasileiro engajado e pulsante durante as duas primeiras etapas do Major. No Challengers, a virada dos Panteras sobre a OG foi marcada pelo barulho ensurdecedor da arquibancada na virada da equipe brasileira, que salvou três match points, venceu na prorrogação por 19 a 16 e viu o caldeirão do Riocentro explodir em euforia. Mesmo na vitória tranquila sobre a GamerLegion, que garantiu a classificação da FURIA, ao Legends, os gritos da torcida foram praticamente incessantes.
Já no Legends Stage, a FURIA passou de forma invicta, com vitórias sobre ENCE, Team Spirit e BIG, e o maior momento do Major até aqui foi protagonizado pelos Panteras e pela torcida brasileira na virada sobre a Spirit. A equipe russa chegou a estar vencendo por 11 a 2, mas cada round vencido pelos Panteras eram o suficiente para a arquibancada explodir e euforia e empurrar o time de KSCERATO, Yuurih e companhia rumo à virada.
Quando a FURIA buscou o empate e, na sequência, a virada, os gritos da torcida foram tão ensurdecedores que era praticamente impossível ouvir qualquer som da transmissão oficial. A atmosfera explosiva a favor do time brasileira e hostil (apenas no sentido competitivo, é preciso ressaltar) aos russos praticamente sacramentou o resultado de 16 a 13 para os Panteras. Nas últimas duas rodadas, a Spirit deu sinais de que sentiu a pressão da torcida e do ótimo nível de jogo da FURIA e pouco conseguiu fazer para evitar a derrota.
A vitória sobre a BIG no domingo (6) definiu a classificação da FURIA aos playoffs de forma antecipada, e com isso os jogos disputados na segunda (7) e terça-feira (8) foram marcados por um ambiente mais calmo, mas ainda assim com boa presença de público e momentos bastante barulhentos mesmo em jogos de times estrangeiros.
Das "guerras de torcida" a acusações bem-humoradas de troca de apoio por camisa de times estrangeiros, a atmosfera no Riocentro transformou duas etapas do Major normalmente marcadas pela frieza num espetáculo que, em 10 anos de CS:GO, nunca havia ocorrido. Embora não haja qualquer informação sobre quando o Brasil voltará a receber um Major ou grande evento do FPS da Valve, o IEM Rio Major já é um evento histórico e praticamente uma garantia de que o país do futebol é, mesmo numa seca de grandes títulos, o país do CS.