O anúncio da CD Projekt Red de um novo game da franquia The Witcher movimentou enormemente o noticiário da indústria de games nesta segunda-feira, 21 de março. O título, que de acordo com o próprio estúdio polonês, dará início a uma nova saga no universo Geralt de Rivia, Ciri, Yennefer, Triss e companhia teria tudo para ser cercado apenas de expectativas positivas, visto que The Witcher 3: Wild Hunt, foi aclamado por crítica e público e se tornou um dos jogos mais premiados da história da indústria de games, vencendo inclusive o prêmio de Jogo do Ano no The Game Awards 2015 e totalizando 260 prêmios oficiais.
A euforia em torno do projeto, porém, é bem mais cautelosa do que se poderia imaginar porque, entre o lançamento de The Witcher 3, em 2015, e o anúncio de uma nova saga, sete anos depois, a CD Projekt Red enfrentou a maior crise de imagem de sua história em função do extremamente conturbado lançamento de Cyberpunk 2077, em dezembro de 2020.
Falta de transparência, crunch e problemas de desempenho marcaram Cyberpunk 2077
Um dos lançamentos mais aguardados da indústria dos games nos últimos anos, o jogo até teve bom desempenho comecial em seu lançamento, mas despertou indignação na comunidade devido à grande quantidade de bugs e gravíssimos problemas de desempenho, especialmente nas versões de Xbox One e PlayStation 4, fazendo inclusive a Sony retirar o RPG de mundo aberto da PS Store por meses e a Microsoft reembolsar usuários que não quisessem esperar pelas correções de problemas no jogo.
Ainda mais grave do que os inúmeros problemas do jogo, foi a total falta de transparência da CD Projekt em torno do projeto mais ambicioso do estúdio. Uma reportagem do jornalista Jason Schreier, da Bloomberg, revelou em janeiro de 2021 que a demo exibida na E3 2018, que impressionou pela enorme qualidade visual, era quase inteiramente falsa, especialmente quando levamos em consideração o produto final que chegou às lojas físicas e digitais e foi marcado por diversos problemas, dos quais somente os usuários de PCs com configurações robustas conseguiam, em parte, escapar.
Além disso, em outubro de 2020, menos de 2 meses antes do lançamento do RPG de mundo aberto, Schreier revelou que o crunch - prática que faz os desenvolvedores de jogos terem jornadas de trabalho muito mais extensas do que devido - fez parte do desenvolvimento de Cyberpunk, especialmente nos períodos em que o jogo passava por adiamentos. Em uma conferência para investidores, Adam Kicinski, um dos CEOs da CD Projekt, chegou a dizer que o crunch '"não era tão ruim, nem nunca foi". Com a repercussão negativa do caso, Kicicnski se pronunciou publicamente para se desculpar pelas declarações dadas na ocasião.
Somente em fevereiro de 2022, 1 ano e 2 meses após o lançamento original do jogo, Cyberpunk ganhou versões desenvolvidas de fato para PlayStation 5 e Xbox Series X e S, que também chegaram como um upgrade gratuito para quem comprou a versão lançada para os consoles da geração anterior. Ainda que o Cyberpunk apresente hoje um desempenho consideravelmente melhor do que em dezembro de 2019, inclusive nas versões de PS4 e Xbox One, haja a promessa do lançamento de uma grande expansão, é nítido que Cyberpunk ainda tem problemas relevantes e impossíveis de serem ignorados, como áreas do mapa com pouquíssimos NPCs (personagens não-jogáveis), ambientes com pouco a se fazer ou explorar e alguns bugs que ainda persistem.
As versões para os consoles de geração anterior também apresentam uma defasagem grande de qualidade visual em relação às edições de PC, PS5 e Xbox Series, e nada indica que esse abismo será diminuído em futuros patches de atualização.
Diante desse contexto extremamente negativo para a imagem da empresa, a CD Projekt Red tem o enorme desafio de recuperar a credibilidade perdida após as várias controvérsias em torno de seu game mais ambicioso até o momento e, em igual proporção, mais decepcionante.
Novo The Witcher pode salvar ou afundar a CD Projekt
Ao passo que Cyberpunk 2077 é, indiscutivelmente, o jogo que mais trouxe prejuízo de imagem à CD Projekt Red, muito em função da falta de transparência e práticas controversas do estúdio polonês, a série The Witcher, especialmente o terceiro jogo da franquia que expande o universo dos livros de Andrzej Sapkowski, é a grande carta na manga da CD na tentativa de recuperar a confiança do público e credibilidade na indústria dos games.
Os episódios 2 e 3 da trilogia, especialmente, foram extremamente elogiados por crítica e público, ainda que seja The Witcher 3: Wild Hunt o grande responsável por transformar a CD Projekt num estúdio mundialmente famoso. As tramas políticas elaboradas, aliadas aos diversos desdobramentos da história conforme as decisões do jogador, personagens bem desenvolvidos e desfechos que fogem do lugar comum e trazem consequências significativas qualquer que seja o caminho se escolha, fizeram a franquia se tornar uma das mais importantes da indústria dos games no século XXI, e é justamente aí que reside o grande trunfo do estúdio polonês.
Por se tratar de um universo já bastante consolidado no coração dos fãs e cujo caminho para o sucesso é conhecido pelo estúdio, The Witcher tem o potencial de fazer a CD Projekt recuperar em grande parte o prestígio perdido com Cyberpunk 2077. Por outro lado, o estúdio polonês está em débito com os fãs após a tentativa de entregar um projeto extremamente ambicioso, mas cuja execução deixou a desejar tanto na forma quanto no conteúdo, além dos problemas éticos envolvendo os altos executivos do estúdio polonês.
As possibilidades com uma nova saga em The Witcher são muitas, especialmente considerando que The Witcher 3 tem três finais principais que levam a trama para caminhos completamente diferentes. Em dois deles, existe a forte a possibilidade de Ciri se tornar a nova protagonista da franquia, uma vez que os próprios desenvolvedores da CD enfatizaram que a história de Geralt de Rivia, ao menos como personagem central daquele universo, se encerrou em Wild Hunt, especialmente se considerarmos os eventos da expansão Blood And Wine.
Apesar de muitos fãs especularem Ciri como principal personagem jogável na nova saga, com Geralt talvez aparecendo em momentos pontuais da trama, existem muitas outras possibilidades a serem exploradas. Uma possibilidade seria explorar o passado do universo de The Witcher, mostrando uma versão jovem de Vesemir (mentor de Geralt) ou o surgimento dos primeiros bruxos daquele universo. Existe ainda uma parcela de fãs que cogita até mesmo a possibilidade de os jogadores poderem criar seus próprios personagens no próximo jogo, embora este não pareça o caminho mais provável, especialmente pelo fato de a CD Projekt gostar de dar destaque a personagens que já existem nos livros de Andrzej Sapkowski.
Qualquer que seja o caminho escolhido pela CD, a grande "quest" do estúdio polonês hoje é provar que ainda pode desenvolver jogos ambiciosos, visualmente deslumbrantes, com histórias bem elaboradas e, principalmente, que rodem devidamente nas plataformas em que forem lançados.
O desafio de desenvolver o jogo na recém-lançada Unreal Engine 5 é mais um elemento desafiador nessa equação, mas caso a CD Projekt consiga pelo menos repetir os acertos que catapultaram o estúdio ao sucesso, a chance redenção existe, especialmente numa indústria que tende a se esquecer das condições de desenvolvimento de um game desde que o resultado seja satisfatório para os usuários finais.