Uma reportagem publicada pelo Wall Street Journal revelou que o CEO da Activision Blizzard, Bobby Kotick, tinha conhecimento das várias denúncias de assédio e abuso sexual que teriam ocorrido na empresa, mas optou por não levar os casos ao conselho da companhia. A reportagem também revela que o executivo não apenas tinha conhecimento dos escândalos, como também estaria envolvido diretamente em alguns dos casos.
“O próprio Sr. Kotick foi acusado por várias mulheres de maus tratos tanto dentro quanto fora do local de trabalho e, em alguns casos, trabalhou para resolver as queixas de forma rápida e silenciosa”, diz um trecho da reportagem publicada pelo WSJ.
Desde que os casos envolvendo assédio, discriminação por gênero cultura sexista dentro da companhia se tornaram públicos, a Activision Blizzard já foi processada pelo estado da Califórnia e viu vários dos principais executivos da companhia deixarem seus cargos, inclusive com alguns deles diretamente envolvidos em casos de assédio cultura sexista nos corredores da empresa.
*O texto a seguir trata de temas sensíveis, como assédio sexual e estupro, e pode conter gatilhos
Ameaça de morte a uma assistente
A reportagem publicada pelo Wall Street Journal destaca que o próprio Kotick tem um histórico de escândalos. Em 2006, o executivo teria ameaçado de morte uma assistente por meio de um correio de voz. Procurada pelo WSJ, a Activition Blizzard não negou a veracidade do episódio, mas disse que Bobby procurou minimizar o ocorrido, dizendo que ele “rapidamente se desculpou pelo obviamente hiperbólico e impróprio correio de voz há 16 anos, e lamenta profundamente o exagero e o tom usado no áudio até hoje".
Em 2007, o executivo foi processado por uma comissária de bordo do jato particular utilizado por Kotick. A comissária disse ter sido demitida por Kotick após denunciar que havia sido assediada pelo piloto do jatinho. A assessoria de imprensa do executivo negou a informação, dizendo que a comissária nunca relatou o caso diretamente a Kotick e que, por isso, não poderia ter sido demitida em decorrência da denúncia.
Kotick não demitiu chefe da Treyarch acusado de assédio sexual
Em 2019, após uma investigação interna, o RH da Activsion Blizzard recomendou à empresa a demissão de Dan Bunting, co-líder da Treyarch, um dos estúdios responsáveis pela franquia Call of Duty. Bunting teria assediado sexualmente uma funcionária em 2017 durante uma festa, mas Kotick interferiu diretamente no caso e Bunting foi mantido no cargo após receber "aconselhamento" a respeito do episódio.
Mais uma vez, a Activision Blizzard não negou o caso de assédio sexual, mas disse que, depois de considerar outras possíveis opções, impôs apenas medidas disciplinares a Bunting em vez de demiti-lo após o caso de assédio. Pouco após ser procurado pela reportagem do Wall Street Journal, Bunting deixou a Activision Blizzard.
Vista grossa para caso de estupro
O WSJ ainda diz que, em junho de 2018, Kotick teria recebido um e-mail de um advogado que representava uma ex-funcionária da Sledgehammer Games, outro dos estúdios da Activision Blizzard responsável pela franquia Call of Duty. A funcionária teria sido estuprada por seu superior direto, Javier Panameno, que teria se embriagado durante eventos da empresa.
A funcionária denunciou os estupros para o RH da Sledgehammer e outras pessoas com cargos de chefia na empresa, mas nenhuma providência foi tomada. Alguns meses após a denúncia, Activision Blizzard teria firmado um acordo extrajudicial com a ex-funcionária. Mesmo tendo sido informado do caso, Kotick não encaminhou as denúncias aos diretores da companhia.
Em 2020, 30 mulheres da divisão de esports da Activision Blizzard, responsável por competições como a Overwatch League e a Call of Duty League, enviaram um e-mail conjunto para chefes do departamento informando que haviam sido “submetidas a toques indesejados, comentários humilhantes, exclusão de reuniões importantes e de comentários não solicitados sobre a aparência delas”. De acordo com WSJ, Kotick teve acesso ao conteúdo do e-mail, mas não tomou nenhuma atitude para apurar as denúncias e punir os responsáveis pelos casos de abuso sexual e assédio moral que teriam ocorrido.
Co-líder da Activision Blizzard, Jen Oneal também decidiu deixar a empresa após ser discriminada
No começo de novembro, a co-líder da Activision Blizzard, Jen Oneal, anunciou sua saída da empresa apenas três meses após assumir um dos cargos mais importantes da companhia. Embora Oneal não tenha feito qualquer tipo de acusação formal contra a empresa em seu e-mail de despedida, o Wall Street Journal revelou que a decisão da executiva teria sido motivada porque ela própria sofreu discriminação e assédio moral dentro da empresa.
Segundo o WSJ, Oneal teria enviado um e-mail ao RH da Activision Blizzard informando que “estava claro que a empresa nunca priorizaria seu pessoal da maneira correta”. Numa outra mensagem à qual do WSJ teve acesso, a executiva disse que se sentia “simbolizada, marginalizada e discriminada” nos corredores da empresa. Além disso, Oneal receberia menos do que o outro co-diretor da companhia, Mike Ybarra, e que foi assediada sexualmente no começo de sua carrira na empresa. De acordo com a Activisio Blizzard, Jen Oneal "recebeu uma compensação financeira equivalente pelo papel de co-líder”.
O WSJ relata ainda que Oneal descreveu uma festa promovida pela companhia em 2007, da qual Kottick participou e contou com a presença de mulheres seminuas em barras de pole dance. Em resposta ao jornal, a empresa disse que Kotick não se recordava da festa.
Funcionários cobram demissão de Kotick; Activision deseja manter executivo
Em meio à onda de denúncias contra Bobby Kotick, um grupo de funcionários da Activision Blizzard organizaram uma greve cobrando a demissão do CEO da companhia. Autodenominado ABetterABK, o grupo pressiona pela saída de Kotick
"Instituímos nossa própria política de tolerância zero. Não seremos silenciados até que Bobby Kotick seja substituído como CEO, e manteremos nossa demanda de revisões feitas por terceiros, escolhidos pelos próprios funcionários. Estamos organizando uma greve hoje. Convidamos vocês a se juntarem a nós", disse o coletivo em publicação no Twitter. Hoje, mais de 500 funcionários já assinaram uma petição exigindo a demissão de Kotick.
A Activision Blizzard, no entanto, não apenas não parece propensa a atender às demandas dos funcionários pela demisão de Kotick, como também criticou em comunicado oficial a reportagem publicada pelo Wall Street Journal que aprofundou os escândalos envolvendo o executivo e o estúdio. Segundo a empresa, a reportagem do WSJ cria uma "versão distorcida" da Activision Blizzard, cujo valor das ações despencaram mais de 30% desde as primeiras revelações dos casos de abuso e assédio na companhia.
"Estamos decepcionados com a reportagem do Wall Street Journal, que apresenta uma visão enganosa da Activision Blizzard e de nosso CEO. Os casos de má conduta sexual trazidos à sua atenção foram levados em consideração. O WSJ ignora mudanças importantes em andamento para tornar este o local de trabalho mais inclusivo e acolhedor da indústria, e não considera os esforços de milhares de funcionários que trabalham duro diariamente para viver conforme os seus — e nossos — valores.
É por isso que, sob a direção do Sr. Kotick, fizemos melhorias significantes, como uma política de tolerância zero para conduta inadequada. E é por isso que estamos agindo com foco, velocidade e recursos para continuar aumentando a diversidade em nossa empresa e na indústria, para garantir que cada funcionário chegue ao trabalho se sentindo valorizado, seguro, respeitado e inspirado. Não vamos parar até que tenhamos o melhor local de trabalho para a nossa equipe.", diz em nota.
Os conselheiros da empresa também mantiveram o apoio a Bobby Kotick mesmo após a série de escândalos revelados pelo Wall Street Journal, e dissequem confiar “na liderança, no comprometimento e na habilidade de Bobby Kotick" para tornar a empresa um ambiente de trabalho melhor.