Estabelecer um domínio absoluto nos esports é um objetivo extremamente difícil de ser alcançado, mas foi o que a Gamelanders Purple conseguiu fazer no cenário feminino brasileiro de Valorant no primeiro semestre. Formada por várias das principais jogadoras que atuam no país, a equipe de Ana “Naxy” Beatriz, Paola “drn” Caroline, Paula “bstrdd” Naguil, Natália “Daiki” Vilela e Natália “Nat1” Meneses rapidamente se consolidou como uma espécie de Dream Team na região. Após a conquista do VCT Game Changers Series, a meta para o segundo semestre envolve dois objetivos principais: permanecer no topo do cenário feminino e se estabelecer como um time da elite também do cenário misto.
Em entrevista ao MGG Brasil, Nat1, o técnico Felipe “Katraka” Carvajal e o manager Gabriel Duarte, diretor de negócios da Final Level, falam sobre a montagem e a rápida ascensão da equipe num intervalo de seis meses, o domínio ao longo de todo o circuito do Protocolo: Gêneses, os constantes duelos contra a atual lineup da B4 Angels e a rotina de treinos com equipes do cenário feminino, algo que a própria Nat1 ressalta nunca ter vivenciado nos seus tempos de jogadora de CS:GO.
Profissionalização com estrutura
Desde que Gamelanders Purple foi fundada, o objetivo da equipe era claro: reunir em um só time vários dos maiores talentos do cenário feminino que atuavam no Brasil, mesmo que isso exigisse uma adaptação por parte de jogadoras que tinham estilos de jogo e desempenhavam funções parecidas. Após perderem os dois primeiros campeonatos femininos que disputaram, o Women’s Community Festival e o Women’s Community Festival Masters, Nat1, drn Naxy, bstrdd e Daiki venceram todos os campeonatos que disputaram. Em seis meses, foram oito títulos: as quatro etapas classificatórias do Protocolo: Gêneses, o Sakuras Ascent: Ato 1, o Rivals Women’s Cup 3 e as finais do primeiro VCT Game Changers Series.
Para Nat1, além da reunião de vários dos maiores talentos do cenário feminino em uma só equipe, a profissionalização do cenário, com um calendário de eventos definidos e boas premiações em dinheiro, associada à estrutura oferecida pela própria Gamelanders fizeram a diferença para que ela e sua companheiras de time pudessem direcionar todo seu foco à preparação para esses torneios, algo que ainda é raríssimo no cenário feminino de outros jogos e, mesmo no Valorant, ainda é restrito aos times que estão no topo.
“Foi um conjunto de fatores. Nós temos a Gamelanders nos dando suporte com um staff enorme, o que com certeza teve um peso grande para alcançarmos esses títulos, e somos um time com muitas jogadoras extremamente talentosas. Desde os primeiros qualificatórios, vimos que o time tinha um potencial enorme para ser o melhor cenário feminino, e todas as jogadoras se dedicam e treinam muito para isso acontecer. Mesmo quando ganhamos um campeonato, paramos para analisar o que não funcionou tão bem e trabalhamos junto com o Katraka e o restante do staff para corrigirmos isso, e essa dedicação constante pesa muito.”
Quando o time da Gamelanders foi formado, Navy, drn e bstrdd já haviam jogado juntas na Meta Gaming, enquanto Daiki havia defendido tags como Number Six Victory e Janus Esports e foi chamada por bstrdd para integrar a lineup. Nat1, por sua vez, havia jogado pela Team Vikings Female em 2020, e foi a última a ser adicionada à lineup que hoje defende a GL Purple, já no fim de janeiro. Segundo Gabriel Duarte, além do talento dos jogadores, o desejo de vencer do elenco foi algo que pesou quando a organização decidiu investir no cenário feminino.
“Acho que foi algo bastante semelhante ao que aconteceu na formação da line da Gamelanders Blue. A gente levou muito em consideração o brilho nos olhos e a vontade de vencer que elas sempre transmitiram. A Naxy desde o começo das negociações nos passou uma ideia muito clara de qual seria para ela o Dream Team do cenário brasileiro de Valorant. A Nat1, que foi a última a entrar no time, já havia feito em 2020 muito bom, tanto que foi finalista do Prêmio eSports Brasil. Era um nome que já tínhamos o interesse de procurar, e o fato de as outras jogadoras desejarem tê-la no time facilitou muito as conversas. A gente dá o suporte na parte de estrutura, mas o mérito pelos resultados é totalmente das jogadoras”, pontua.
Katraka, por sua vez, conta que desde que a lineup foi fechada, teve a certeza de que aquele time sempre ficaria, na pior das hipóteses, no top 3 de todos os campeonatos femininos que disputasse, e até agora a previsão tem se mostrado quase 100% precisa. Com exceção do Women’s Community Festival Masters, torneio em que a GL Purple ficou “apenas” no top 8, a organização venceu foi ao finalista nos outros nove torneios que disputou, e venceu oito deles.
“A análise do time foi um processo até bastante simples. Sempre que você vai avaliar a formação de uma equipe, o histórico das atletas é algo que pesa muito, e com exceção da Daiki, todas as outras jogadoras já haviam sido campeãs em 2020. Mesmo quando elas não levavam o título, ficavam no mínimo num top 3 ou top 4, inclusive a Daiki. Além disso, todas elas tinham enorme destaque individual nos campeonatos, levando prêmios de MVP ou EVP e sempre aparecendo entre as melhores nas estatísticas. Não era difícil ver que reunidas no mesmo time, elas sempre iriam ficar, no mínimo, no top 4 de todos os torneios femininos que disputassem, e a realidade foi ainda melhor”
Diferenças em relação ao cenário feminino de CS:GO
Nat1 de dedicou por muito tempo ao competitivo de CS:GO, e destaca que um dos aspectos mais importantes para a menor distância entre o cenário feminino e o cenário misto de Valorant, principalmente em comparação ao ao FPS da Valve, ocorre em função de dois fatores principais. O primeiro deles é o fato de o cenário feminino do game da Riot ter nascido junto com o lançamento do jogo, enquanto no CS:GO os primeiros campeonatos femininos com premiação em dinheiro só surgiram muitos anos depois, o que prejudicou a profissionalização das mulheres e “criou um gap (abismo) impossível de reverter”.
O outro é ligado ao fato de os times do cenário feminino, principalmente os de maior destaque, não terem problemas de marcar treinos com vários dos melhores times do cenário masculino, algo que, segundo Nat1, nunca ocorreu no cenário de CS:GO.
“Lá atrás, quando o CS:GO foi lançado, simplesmente não existia cenário feminino. Os times masculinos sempre tiveram maior apoio, e mesmo com alguns problemas, os jogadores podiam largar um trabalho, por exemplo, para se dedicar ao jogo, algo que as mulheres lá atrás não tinham e, mesmo hoje, são poucas que têm. Com o passar do tempo, esse gap já não tinha mais reparo, e os times femininos já não tinham mais a menor condição de enfrentar os times masculinos”, frisa.
“No Valorant as coisas já começaram um pouco diferentes. O cenário feminino nasceu junto com o cenário misto, e desde o começo tivemos orgs investindo na contratação de lineups femininos, que puderam se dedicar ao competitivo desde o lançamento do jogo. Além disso, eu posso dizer que conseguimos treinar frequentemente com a grande maioria dos times do Tier 1 do Brasil, algo que eu nunca vivi no CS:GO, mesmo fazendo parte de uma das melhores equipes do cenário feminino na época. É óbvio que isso vai fazer qualquer time evoluir muito mais rápido e jogar em alto nível, além, é claro, de poder se dedicar de fato ao competitivo de forma mais profissional desde o início, sem precisar conciliar com o trabalho, por exemplo. Os times do Valorant têm muito mais visão e são muito mais abertos nesse sentido, até porque os treinos são bons para nós, mas também para eles.”
O objetivo de se consolidar no circuito misto
O primeiro grande objetivo da Gamelanders Purple para o primeiro semestre de 2021, tornar-se o melhor time do cenário brasileiro de Valorant, já foi cumprido, e a próxima grande meta da equipe é se consolidar como uma força do Tier 1 do cenário misto. Enquanto novas etapas do Protocolo: Gêneses e do Game Changers Series não são anunciadas, Nat1 e companhia miram chegar, no mínimo, ao top 8 de alguma etapa brasileira do Valorant Champions Tour, e alguns resultados do time neste sentido já se mostram promissores.
Durante os qualificatória para a segunda etapa VCT Brazil 2021: Challengers 3, a GL Purple chegou ao segundo dia de disputas e acabou eliminada pela Stars Horizon, equipe em ascensão no cenário misto e que alcançou o top 4 da última edição da Copa Rakin. A derrota, porém, veio em uma partida equilibrada, na qual a Gamelanders perdeu por 13 a 10. Já nas qualificatórias para terceira edição da Copa Rakin, a GL acabou eliminada pela SLICK, uma das equipes mais fortes do cenário brasileiro, por 13 a 9, num a partida em que Nat1 e companhia fecharam a primeira metade vencendo por 8 a 4 no mapa Icebox.
Os resultados nesses jogos têm mostrado que, embora ainda não chegado à chave principal de um grande torneio do cenário misto, a Gamelanders Purple têm se mostrado capaz em jogar em alto nível com alguns dos melhores times do país, e justamente por isso a meta de se consolidar como um time do Tier 1 do circuito misto parece bastante realista.
“Em comparação aos primeiros qualificatórios, acho que estamos mais preparadas hoje. Se tivéssemos jogado aquelas partidas com o nível que temos hoje, nossas chances de ganhar seriam maiores. Nossa meta para este segundo semestre é continuar evoluindo para chegar pelo menos ao top 8 de algum evento principal do VCT. Nós estamos sim com os pés no chão, mas as nossas expectativas são as mais altas possíveis, pois estamos mais preparadas para o circuito misto”, avalia.
Sonhos internacionais e calendário feminino indefinido
Apesar dos aspectos positivos relacionados a calendário e premiação do VCT Game Changers Series, nem tudo são flores no cenário feminino. Katraka destaca que embora já haja a garantia de um novo circuito de torneios oficiais da Riot no Protocolo: Gêneses, nenhum calendário foi adiantado para as equipes até o momento, diferentemente do que ocorre no circuito misto. O treinador da Gamelanders ressalta que isso é prejudicial para o planejamento da equipe.
“No cenário misto a Riot está tomando um cuidado muito grande em relação às datas, anunciado tudo com bastante antecedência, mas no cenário feminino já não é tanto assim. Nós sabemos que haverá um novo circuito do Protocolo: Gêneses e Gamer Changers, mas não sabemos a data ainda, então estamos trabalhando no escuro, pois só temos as datas do cenário misto. Isso acaba sendo um pouco problemático, porque não podemos nos planejar com tanta antecedência assim”, critica.
“No próprio Game Changers, nós tínhamos a intenção de fazer um bootcamp e jogar com o time inteiro junto, mas só ficamos sabendo da data do campeonato menos de 10 dias antes dele começar. Só sabíamos que seria em junho, mas não a data específica.”
Além da permanência como melhor time do cenário feminino brasileiro e a meta de se estabelecer como um time da elite do cenário misto, a Gamelanders Purple sonha ganhar um campeonato que ainda não foi anunciado pela Riot, mas que é um objetivo compartilhado por Nat1 e todas as suas companheiras de time: o mundial feminino de Valorant.
“Seria o meu sonho, sério. Desde que o calendário foi anunciado o Game Changers, a primeira coisa que eu fiz foi procurar se tinha um mundial feminino anunciado. Infelizmente ainda não tem, mas eu tô esperançosa que em 2022 teremos esse anúncio. Eu estou muito ansiosa para enfrentar uma Cloud9 White (melhor time da América do Norte) ou uma Dignitas da Showliana, que fez história no nosso CS e hoje representa o Brasil no Valorant lá nos Estados Unidos”, projeta.
Ao avaliar o nível do Valorant na América do Norte, que hoje possui o circuito feminino mais badalado do mundo, e compará-lo ao brasileiro, Nat1 reconhece a força das equipes mais fortes daquela região, especialmente da Cloud9 White, campeã das duas edições do Game Changers Series North America, mas considera que a Gamelanders Purple e outras equipes fortes do país, como a B4 Angels, têm totais condições de “fazer bonito” internacionamente. Vale lembrar que, além de Brasil e América do Norte, a América Latina e o Sudeste Asiático também têm cenários femininos com um circuito de torneios, e poderiam assim participar de um futuro, embora não confirmado, mundial.
“Eu tenho acompanhado o cenário de lá, e o nível é muito alto. A Cloud9 é o melhor time de lá hoje, mas também existem outras equipes fortíssimas, como a CLG Red (vice-campeã das duas edições do Game Changers Series NA) e a Dignitas (top 4 nos dois Game Changers). Mas, sendo bem sincera, eu não acredito que estejamos atrás desses times. Se enfrentássemos elas, eu acho que daria muito jogo. Talvez a Cloud9 seria um pouco mais difícil, pois elas estão realmente num nível muito alto e um pouco acima dos outros times do NA, mas mesmo contra elas daria jogo. O nível do cenário brasileiro também está muito alto”, conclui.