Os Estados Unidos estão entre os maiores e mais importantes mercados do mundo nos esports, seja pelo mercado consumidor, presença massiva de desenvolvedoras e publishers no país ou ampla infraestrutura de arenas e centros de convenções de grande porte espalhados por todo o país. Não por acaso, campeonatos de grande porte de games como League of Legends, Counter-Strike: Global Offensive, Dota 2, Rainbow Six, Overwatch e Call of Duty são realizados no país, com os dois últimos tendo inclusive suas ligas oficiais - a Call of Duty League e a Overwatch League - com sede nos EUA.
Contudo, se por um lado não falta dinheiro, interesse de empresas ou infraestrutura para os EUA receberem os maiores eventos de esports do mundo, o difícil processo de aprovação de visto para pro players e técnicos têm se tornado um obstáculo cada vez maior e mais recorrente, inclusive com competições como o Six Major Charlotte e a IEM Dallas sendo enormemente prejudicadas por isso.
Por outro lado, países da Europa e da Ásia que não exigem visto para períodos de até 90 dias ou que contam com políticas de aprovação de visto menos rigorosas têm se tornado sedes recorrentes de grandes eventos esports, especialmente com a diminuição de mortes por Covid no mundo em função do avanço da vacinação e, consequentemente, o retorno dos eventos presenciais com presença de público.
Até mesmo países que não costumavam figurar receber grandes eventos de esportes eletrônicos com frequência têm começado a receber essas competições com maior frequência. O Brasil, por exemplo, receberá pela primeira vez um Major de CS:GO, a IEM Major Rio, enquanto a Turquia sediará o Valorant Champions, Mundial do FPS da Riot. O México, por sua vez, recebeu um Major de Rainbow Six em agosto de 2021, e essa maior diversidade em destinos de grandes competições é benéfica, inclusive para o crescimento da comunidade global dos jogos.
IEM Dallas e Six Major Charlotte expõem problemas da política de vistos nos EUA
Six Major Charlotte prejudicou 4 equipes
Se 2022 marcou de vez a volta dos eventos presenciais com evento de público, consolidando uma tendência iniciada no segundo semestre de 2021, os Estados Unidos ficaram marcados por graves problemas em dois eventos que receberam recentemente: o Six Major Charlotte e a Intel Extreme Masters Dallas 2022. Embroa Ubisoft e ESL tenham lidado de formas diferentes com os previsíveis problemas de aprovação de visto de atletas.
No caso do Six Major Charlotte, três equipes brasileiras precisaram jogar de forma online do México, com graves problemas de ping, porque os jogadores não conseguiram a aprovação do visto para entrarem nos Estados Unidos: W7, FURIA, e Team One, equipe que na fase dos playoffs conseguiu mandar três dos cinco jogadores para Charlotte, enquanto os outros dois permaneceram jogando do México. Já a Elevate, da Tailândia, não conseguiu aprovação de visto para os Estados Unidos e não teve tempo hábil para solicitar um visto para entrar no México, uma vez que o país exige o documento de tailandeses
A situação foi duramente criticada pelos jogadores brasileiros, inclusive com o jogador Gustavo "Herdsz", da W7M, descreveu como inaceitável ter que jogar com 80 de ping contra as equipes que jogavam dos Estados Unidos e jogaram com estrutura de lan (lan build) com o ping praticamente zerado. Ainda assim, a Team One avançou aos playoffs, enquanto W7M e FURIA, embora eliminadas na fase de grupos, venceram três dos seis jogos disputados.
IEM Dallas marcada por desfalques de peso
Se os problemas com aprovação de visto excluíram um time e fizeram outros três jogarem o torneio de forma online, a IEM Dallas de CS:GO teve três equipes fora do torneio, sendo duas delas do top 6 mundial do Ranking HLTV, e vários outros times jogando com completes em função de problemas de visto com jogadores. Embora ainda conte com uma lineup forte de participantes, o torneio foi indiscutivelmente prejudicado pelas rigorosas políticas de visto dos Estados Unidos.
Entre as equipes que sequer puderam viajar para a disputa do campeonato, estão NAVI, campeã do PGL Major Stockholm e vice-campeã do PGL Major Antwerp, Heroic semifinalista no Major de Estocolmo e top 8 no Major da Bélgica, e Entropiq, campeã invicta do classificatório europeu da IEM Dallas.
Também por problemas de visto, alguns jogadores e técnicos de outras equipes também não puderam embarcar nos Estados Unidos para disputar a competição. Semifinalista no PGL Major Antwerp e vice-campeã da ESL Pro League Season 15, a ENCE foi para a competição não pôde jogar com Lotan "Spinx", principal destaque da equipe na temporada. Para o lugar de Spinx, a ENCE trouxe o veterano Snax, campeão da ESL One Katowice Major 2014 pela Virtus Pro.
O MIBR, por sua vez, não pôde disputar a competição com Breno "Brnz4n", recém-promovido do MIBR Academy para o time principal no lugar de WOOD7. Por essa razão, o técnico Bruno "Bit" disputou a competição como complete do Made in Brazil. O pro player não teve tempo hábil de retirar o visto e por isso não disputou a competição. Já a Astralis viajou para Dallas desfalcada do técnico Martin "Trace".
No fim, a ENCE foi o único dos times desfalcados a se classificar aos playoffs da IEM Dallas, inclusive com Snax empilhando grandes atuações como substituto de Spinx. E ainda que o torneio não tenha o peso de torneios como os Majors, as IEM Katowice e Cologne e a ESL Pro League, o torneio foi claramente prejudicado pela restritiva política de vistos dos Estados Unidos, mesmo para jogadores contratados por equipes conhecidas mundialmente e com enorme tradição nos esports, fatores que poderiam, e deveriam, facilitar a aprovação de vistos.
Mais países sediando grandes eventos será uma tendência?
Embora os problemas relacionados a aprovação do visto norte-americano não seja exatamente uma novidade nos Esports, inclusive com o Brasil sendo um país recorrentemente prejudicado nesse aspecto (conheça cinco casos), os Estados Unidos continuarão recebendo grandes eventos de Esports. O país é um dos maiores e mais importantes do mundo nesse mercado, contando com um grande público consumidor, atratividade para anunciantes, várias das mais importantes orgs do mundo e ampla infraestrutura para realização de grandes campeonatos.
Ainda assim, o país hoje não é o principal destino para as maiores competições do mundo. No CS:GO, a Europa sedia hoje a maioria dos principais eventos, especialmente após a pandemia de Covid-19, e os problemas da IEM Dallas podem fazer a frequência de eventos ser menor. O campeonato realizado na cidade do Texas, por exemplo é o único grande evento de CS:GO programado para ocorrer nos Estados Unidos em toda a temporada de 2022.
O League of Legends, por sua vez tem a maioria dos seus eventos internacionais (MSI e Worlds) realizados em países como China, Coreia do Sul e Alemanha.
No caso do LoL, o Worlds 2022 será disputado no México, Canadá e Estados Unidos, mas os americanos precisaram esperar nada menos que 6 anos para receber um grande evento internacional do MOBA da Riot Games.
Dota 2, por outro lado, é um jogo cuja história tem enorme ligação com os Estados Unidos, com todas as edições do The International - Mundial da modalidade - de 2012 a 2017 realizada na cidade Seattle, considerada a catedral mundial do MOBA da Valve. Entre 2018 e 2022, porém, o número de grandes eventos em território americano reduziu drasticamente, mesmo desconsiderando os cancelamentos ocorridos em função da pandemia. Nesse período, apenas 2 eventos de grande porte foram agendados para serem disputados nos EUA: a ESL One Los Angeles 2020, cancelada por causa da pandemia, e o PGL Arlington Major, que será disputado em agosto.
Ao mesmo tempo, outros países têm se tornado palco de grandes eventos com maior frequência nos últimos anos. Antes de receber o IEM Major Rio, o Brasil recebeu em anos anteriores pelo menos três grandes eventos de CS:GO: ESL Pro League Season 4 (2016), ESL One Belo Horizonte (2018) e BLAST Pro Series São Paulo (2019). No League of Legends, o Rio de Janeiro sediou o MSI 2017, enquanto no Rainbow Six a capital fluminense foi sede da Pro League Season Finals.
Mas não é apenas o Brasil que tem aumentado a diversidade de sedes de grandes eventos de Esports. A Turquia, por exemplo, já receberu no CS:GO eventos como a BLAST Pro Series Istanbul 2018 e a StarSeries i-League Season 8, na cidade de Belek, em 2019. Além disso, a Istanbul sediará a edição de 2022 do Valorant Champions, Mundial do FPS da Riot, o que mostra que a Turquia é hoje, especialmente no gênero FPS, um mercado visto com interesse pelas grandes publishers e organizadoras de torneio.
No Dota 2, por exemplo, o Sudeste Asiático é uma das principais potências do jogo, inclusive exportando talentos para equipes de outras regiões. Também por isso, países como Malásia, Filipinas e Singapura já receberam Majors e outros grandes eventos do MOBA da Valve, inclusive com Singapura sendo escolhida como sede do The International 2022.
Essa maior diversidade de países recebendo grandes eventos dos Esports mais populares do mundo é um sinal positivo para o futuro. Ainda que Europa, Estados Unidos e países asiáticos ricos como China e Coreia ainda tendam a concentrar a maior parte das principais competições, a experiência recente também indica que os esportes eletrônicos estarão presentes num maior número de países, e não apenas em relação a público consumidor.