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Afrogames e a luta coletiva de jovens negros por mais oportunidades nos games

Afrogames e a luta coletiva de jovens negros por mais oportunidades nos games
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Projeto atende mais de 100 crianças e adolescentes na favela de Vigário Geral e retomou atividades em 2021 após pausa em função da pandemia de Covid-19

Afrogames e a luta coletiva de jovens negros por mais oportunidades nos games

Representatividade, inclusão, diversidade. Esses são princípios que deveriam estar bem mais presentes no mundo dos games e esportes eletrônicos, seja pelo alcance de uma indústria que deverá movimentar US$ 180 bilhões (R$ 1,02 trilhão, na cotação atual do dólar) até o fim de 2021, de acordo com levantamento recente da NewZoo, seja pelo enorme apelo que este mercado tem com o público jovem.

Na prática, porém, a participação de pessoas pretas e pardas neste universo ainda é bastante restrita, pois são poucos os negros presentes no competitivo de títulos com grande alcance global, como League of Legends, Counter-Strike: Global Offensive, Dota 2 ou Call of Duty, por exemplo. Essas desigualdades sociais que se refletem no mundo dos games têm, em grande parte, raiz nos séculos de escravidão contra negros africanos promovida por europeus a partir do século XV, e cujos reflexos são sentidos ainda hoje.

No Brasil, país no qual o acesso a PCs gamers e internet de alta de velocidade ainda é restrito a quem tem condições de pagar por ambos, a alternativa para superar essas barreiras frequentemente passa por projetos sociais focados em promover esse acesso a quem muitas vezes não conta nem mesmo com saúde e educação de qualidade ou saneamento básico no bairro ou favela onde vive.

No Rio de Janeiro, o AfroGames, fundado em 2019 pelo empresário Ricardo Chantilly em parceria com o grupo AfroReggae na Favela de Vigário Geral, na Zona Norte do Rio, procura transformar essa realidade. A iniciativa oferece a mais de 100 jovens cursos de League of Legends, programação de computadores, Fortnite e inglês, e retomou suas atividades no começo de 2021, após uma pausa em 2020 em função da pandemia de Covid-19. A volta aconteceu com uma rotina já adequada às medidas de prevenção necessárias, com uso de máscaras, álcool gel e distanciamento entre os alunos, mas também representou o recomeço de uma iniciativa que oferece a muitas dessas crianças e adolescentes a única possibilidade de contato com computadores e games de PC.

Entre os integrantes do projeto, que hoje funciona com apoio da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude e da Fusion Energy Drink, estão a jogadora de League of Legends Gabriela Evellin “AFG Hoper” da Silva Ferreira, de 19 anos, o streamer Luiz Augusto “AFG Sr Madruga” D’Oliveira de Lima, de 23, e do social media do projeto, Gustavo Henrique “AFGustavo” de Oliveira Pinheiro, de apenas 16, e que também tem estudado com Luiz para entrar no mundo das lives.

Esport como profissão

A exemplo de muitas histórias no mundo dos esports, Gabriela começou a jogar League of Legends por indicação dos amigos, no fim de 2018, e em 2019 acabou entrando para o AfroGames. Lá, a jovem começou a se destacar até entrar para o time titular de LoL do projeto, no qual atua como suporte e recebe um salário para se manter dedicada ao jogo.

“A partir do momento que entrei para o time e comecei a me dedicar, percebi que isso pode ser uma profissão. Quero me dedicar muito e conquistar lugares altos com o time, ser reconhecida como uma jogadora profissional e espero no futuro participar de campeonatos com a equipe. É um foco que eu ainda estou criando, mas com certeza é algo que eu quero muito”, projeta a jogadora.

O centro de treinamento do AfroGames, construído no Centro Cultural Waly Salomão foi o primeiro especializado em esports dentro de uma favela. Este ano, o projeto também inaugurou uma sala de streams em parceria com a HyperX e a GOL Linhas Aéreas para que membros possam fazer lives dentro das dependências do AfroGames. Um desses jovens que hoje atua como streamer é Luiz Augusto, que conta com quase 7,3 mil seguidores em sua página no Facebook, na qual faz live de jogos como Free Fire e GTA V. A rotina de transmissões começou em fevereiro de 2020, pouco antes de os casos de Covid explodirem no Brasil, e em pouco mais de um ano o reconhecimento dentro e fora da comunidade já começou a crescer.

“Eu conhecia o AfroGames mais pelas redes sociais, mas fui me interessando aos poucos pelo projeto. Tento influenciar o máximo possível de jovens a participar do projeto, pois vejo que muitos aqui dentro da comunidade precisam desse foco, precisam ter alguma coisa para ocupar o tempo. Também quero ajudar aqueles que têm esse sonho de trabalhar com criação de conteúdo, como é o caso do Gustavo, que no começo não sabia nada sobre como streamar, e hoje eu sou uma espécie de professor para ele, dando dicas, e estou muito feliz com isso tudo."

Potencial inexplorado

Nascido e criado em Vigário Geral, Gustavo Henrique é quem cuida hoje das postagens e criação de conteúdo para as redes sociais do AfroGames, e tem começado também a se dedicar à criação de conteúdo. O jovem destaca que apesar de conhecer vários jovens negros com enorme potencial para trabalhar na área, a escassez de oportunidades ainda é um dos principais obstáculos para que o mundo dos games e dos esports seja mais plural.

“Eu me interessei pelo projeto logo de início e entrei de cabeça. Na comunidade existem muitas pessoas negras com talento para serem influencers, streamers e jogadores de LoL, CS, Free Fire... mas é muito raro isso acontecer, porque muitos não têm condições financeiras nem acesso a um projeto como o do AfroGames. O número de streamers e influenciadores digitais negros ainda é muito pequeno no Brasil”, detalha Gustavo, que no mundo da criação de conteúdo tem o amigo Luiz Augusto e o caster e streamer Willian “Gordox” Moreira como duas de suas principais referências. Na vida, ele cita os pais como seus principais exemplos.

Ciente de que as dificuldades enfrentadas em Vigário Geral são as mesmas de várias outras favelas e bairros pobres espalhados pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil, Gustavo considera que uma das chaves para que mais jovens negros estejam presentes no mundo da criação de conteúdo nos games ainda passa pela existência ou ampliação de mais projetos como o AfroGames. Para ele, somente com o aumento do acesso a oportunidades será possível ter mais diversidade num meio no qual negros são minoria.

“O AfroGames nos deu essa oportunidade colocando uma sala de stream lá no projeto, e eu queria que tivessem outros núcleos, pois existem muitos talentos escondidos em outras comunidades, bons e boas streamers. Gente que mesmo que não quisesse ser streamer profissional, poderia jogar somente por hobbie”, avalia.

Gustavo Henrique cria conteúdo para as mídias sociais da AfroGames (Foto: Divulgação/AfroGames) - Millenium
Gustavo Henrique cria conteúdo para as mídias sociais da AfroGames (Foto: Divulgação/AfroGames)

Luta conjunta

Ainda que seu público seja pequeno quando comparado aos maiores streamers do país, Luiz Augusto toma para si uma espécie de missão enquanto criador de conteúdo: influenciar de forma positiva, dentro e fora de Vigário Geral, outros a entrarem num meio que ainda é restrito e no qual as dificuldades para negros costumam ser ainda maiores.

Em novembro de 2019, um estudo do IBGE apontou que a renda de brancos no Brasil era, em média, 74% maior que a de pretos e pardos. Na ocasião, o levantamento apontou que os rendimentos médios mensais entre brancos era de R$ 2.796 e, entre os pretos e pardos, de R$ 1.608, tomando por base o ano de 2018.

“Hoje é difícil vermos criadores de conteúdo negros, e acho que poderia sim haver mais oportunidades para eles fazerem seu nome nesse mercado. De modo geral, temos muito menos acesso a computadores, boa internet, e isso com certeza pesa. O que eu procuro fazer é influenciar de forma positiva, ajudar de todas as formas que eu posso e, de repente, inspirar alguém que nunca pensou em ser um streamer ou criador de conteúdo a fazer isso. Quero ajudar essas pessoas a chegarem ao topo e ficarem entre os maiores”, sonha.

Luiz Augusto é streamer da AfroGames e tem mais de 7 mil seguidores no Facebook (Foto: Divulgação/AfroGames) - Millenium
Luiz Augusto é streamer da AfroGames e tem mais de 7 mil seguidores no Facebook (Foto: Divulgação/AfroGames)

Novos horizontes

Gabriela Evellin ressalta que a existência do AfroGames possibilitou a uma parcela da população que historicamente possui pouco - ou nenhum - acesso a computadores experiências totalmente inéditas, e que mesmo ela sofreu um choque de realidade ao perceber que crianças e jovens que entraram para o projeto nunca haviam tido contato com um computador antes.

“Esse projeto abriu oportunidades para muita gente, para negros, para pessoas com deficiência física ou que não têm uma boa condição financeira. Precisamos ver que isso é importante, pois eu mesma nunca tinha reparado que poucos negros têm acesso à internet aqui dentro da favela. Quando comecei a perceber isso, vi que tinha gente que sequer conhecia um computador, que muitas crianças nunca haviam visto um computador na frente delas. Muitas delas hoje só têm esse acesso por causa do projeto”, relata.

“É muito importante para o crescimento de todos ter acesso à tecnologia. Muitos que hoje sonham ser pro player ou YouTuber têm essa oportunidade aqui, e isso está muito mais perto deles do que estava algum tempo atrás. Antes, eu pensava: ‘ah, isso é muito maneiro, mas não é para mim, não é para a minha vida. Eu vou focar em outras coisas para ver se eu consigo arrumar um emprego para conseguir me sustentar’”, diz Gabriela.

Gabriela é suporte do time de LoL da AfroGames (Foto: Divulgação/AfroGames) - Millenium
Gabriela é suporte do time de LoL da AfroGames (Foto: Divulgação/AfroGames)

A exemplo de Luiz e Gustavo, a suporte da AFG torce pela ampliação dos horizontes do AfroGames e pelo surgimento de outros projetos similares no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo. Até pouco tempo atrás, Gabriela não se imaginava ganhando um salário para se dedicar competitivamente a um jogo, mas comemora a transformação recente em sua realidade. Justamente por isso, também deseja essa transformação de vida para outros.

No cenário brasileiro de League of Legends, a final do CBLOL terá no dia 18 de abril um confronto histórico no aspecto da representatividade. Pela primeira vez, a competição terá dois jogadores negros na grande decisão: Francisco "fNb" Braz, topo da Vorax, e Marcos "Cariok" Santos, caçador da Pain Gaming. A esperança de Gabriela é que com mais oportunidades para jovens negros no mundo dos games e dos esports, momentos como esse se repitam com muito mais frequência.

“O projeto apareceu e deu a oportunidade de algumas pessoas, inclusive eu, terem um salário e conseguirem se sustentar ao mesmo tempo em que trabalham com algo que gostam. Para mim foi muito bom, e faltam palavras para descrever o quão incrível está sendo. Essa é uma realidade que eu não viveria se o projeto não existisse. Nunca me imaginei jogando e recebendo um salário por isso. A ampliação do projeto é o melhor caminho para todos nós, principalmente para quem ainda não tem acesso a ele”, conclui a jovem.

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Gabriel SALES
Gabriel Sales

Jornalista apaixonado por games desde o jardim de infância e fã de quase todo tipo de RPG, especialmente os da série Chrono. Nos esports, shooters e jogos de luta são minhas maiores paixões, mas abraço qualquer jogo com uma cena competitiva pulsante.

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