Meu nome é Helena Nogueira. Tenho medo de jogar Valorant sozinha e não sou a única. Sei que, como eu, outras mulheres também esperam até que um ou mais amigos estejam online para embarcar nas partidas do FPS da Riot Games - e eu jogo muito menos do que gostaria por causa disto.
Veja bem: para mulheres, não é tão fácil abrir o jogo, concentrar e mostrar o melhor nível de habilidade. Para nós, também há o medo constante de descobrirem que não somos homens... e de sofrer os assédios já esperados em uma comunidade online tóxica como a de games competitivos.
A comunicação por chat de voz - algo essencial para o sucesso de uma partida competitiva em Valorant e em boa parte dos games de esports - é algo do qual abrimos mão para não sermos assediadas e perseguidas. Usamos um nick neutro ou masculino no lugar daquele que queremos para que não saibam quem somos.
Quando os assediadores estão juntos - às vezes até sozinhos - eles se sentem seguros e empoderados para gritar conosco e nos ofender. E, mesmo quando nos impomos nessas situações, corremos o risco de sermos perseguidas ou até mesmo denunciadas por eles.
Os banimentos aplicados no game por toxicidade têm períodos diversos: de algumas horas até uma semana... mas de que adianta essa medida provisória se posteriormente corremos o risco de encontrar novamente os assediadores na partida?
A discriminação de gênero em games não é exclusiva do FPS da Riot Games. Outros jogos competitivos e, na verdade, todo o cenário de games é notório pela toxicidade carregada pela falácia de que videogame “é coisa de menino”, ciclo que se retroalimenta, desestimula e intimida mulheres em diferentes fases da vida de desfrutar de suas paixões por jogos, desde a década de 1990.
Em Valorant, este ambiente tóxico teve início ainda no beta fechado, quando surgiram jogadores desmerecendo a forma como jogamos porque somos mulheres - e não foram poucos os casos que vimos nas redes sociais. Fica claro que, por ser um jogo novo, Valorant tem atraído fãs de diferentes games competitivos, como Counter-Strike, Overwatch, Rainbow Six e até mesmo League of Legends. A comunidade ativa de Valorant, no momento, é uma reunião de diversas outras.
Mas esse não é o ponto. A problemática é que, como estou suscetível a ser assediada e não tenho a garantia de que uma punição efetiva será aplicada sobre o assediador, me sinto afugentada e sem motivação para melhorar no game.
De fato, não é como se a Riot Games estivesse alheia ao problema. Com o lançamento oficial em 2 de junho, a tela inicial de Valorant foi atualizada com uma mensagem que informa quatro regras do código de comunidade. As normas pedem que os jogadores não atuem contra os colegas de equipe, tenham respeito, empatia e sejam justos e amigáveis com todos.
A principal maneira de lidar com comportamento tóxico em Valorant é a opção de denúncia dentro do próprio jogo. Ao ser denunciado, o acusado não é informado de imediato - o que é compreensível, visto que ele poderia começar a perseguir quem fez a denúncia durante a própria partida.
Há também o sistema de tickets, que funciona de forma similar ao de League of Legends, com a possibilidade de enviar prints do ocorrido para denúncia - porém, em relação ao MOBA, esta função no FPS possui menos opções de relatos em diferentes tipos de assédios.
O Millenium entrou em contato com a Riot Games em busca de esclarecimento das medidas tomadas pela desenvolvedora em relação ao comportamento tóxico. A empresa explicou que, desde o lançamento de Valorant, estão em vigor ferramentas de detecção automática de palavras-chave e análise automática de chat, que realizam o seguinte trabalho:
- Análise automática dos chats, de forma a identificar violações óbvias ao código da comunidade;
- Análise automática de denúncias e a identificação automática de infratores, que receberão punições por seus atos;
- Restrições de 72 horas ao chat de equipe por violações de comportamento;
- Restrições de 72 horas ao chat de voz de equipe por violações de comportamento.
A empresa também compartilhou o posicionamento de Anna Donlon, produtora executiva de VALORANT, sobre o assunto.
Além do pronunciamento de Anna, a Riot já informou que está comprometida a ouvir a comunidade sempre que puder - então pedimos que formas de punições mais efetivas sejam postas em vigor o mais rápido possível.
Queremos banimentos mais rígidos a jogadores tóxicos. Queremos a mesma firmeza que a empresa tem tomado em relação a cheaters do game, alguns dos quais foram banidos durante o beta fechado e estão permanentemente sem acesso ao jogo.
Não queremos usar nicks masculinos para nos sentirmos seguras.
Não vamos mais tolerar ataques de um companheiro do nosso próprio time. Chega de perseguição no jogo - ou fora dele - apenas para nos intimidar.
Merecemos um espaço seguro para fazer nossas próprias transmissões e conteúdos sem sermos afugentadas ou atacadas pelo gênero.
Queremos a tranquilidade de não encontrar novamente o jogador que denunciamos.
E à comunidade, que fique claro: não somos café com leite. Nossa presença não é indiferente na partida. Não significa que você pode nos xingar, tampouco que você pode deixar de jogar sério.
Assédio não é "só uma brincadeira". Algumas jogadoras podem se lembrar de quando sofreram algo na rua ou em casa, ou das ansiedades sociais que despejam sobre nós.
O que queremos? Se você presenciar assédio em uma partida, se manifeste contra! Não fique calado - mesmo que o responsável pelo ato seja seu próprio amigo.
Nós queremos e demandamos ser respeitadas nas partidas. Merecemos um ambiente seguro para mostrar nossas habilidades e brilhar no mais alto nível competitivo.
Afinal, o Valorant é de todos, inclusive nosso!