A luta pela inserção das mulheres no esporte eletrônico é grande e árdua. Parte da comunidade cobra o fim do cenário feminino e exige que elas joguem na cena mista. Porém, quando isso acontece e uma pessoa do sexo feminino consegue se destacar de alguma forma entre homens, o ódio imediatamente recai sobre ela. Um bom exemplo disso é o recente caso da pro player de Rainbow Six: Siege (R6), Danielle "Cherna" Andrade.
Entenda o caso
A jogadora apareceu recentemente na lista de "Melhores Atletas de Rainbow Six: Siege" do Prêmio eSports Brasil. A indicação foi feita por especialistas do game que trabalham com este cenário diariamente. No entanto, o que era para ser motivo de orgulho para a pro player transformou-se em ataques gratuitos nas redes sociais.
Muitos não aceitaram que uma mulher pudesse estar entre os indicados. Não importa o que ela fez, conquistou e provou durante o ano, pois segundo estas pessoas, ela só está lá por ser mulher. O mais curioso é que ela é a única atleta indicada em toda a premiação - a outra mulher apontada na premiação foi a apresentadora Camila "camilotaxp" Silveira.
Vale lembrar também que foi o superjúri do evento (composto por Filipa Antunes, Guilherme "Guille" Scalfi, Leo Bianchi, André "Meligeni" Santos e Otávio "Retalha" Ceschi) que analisou e decidiu o nome da jogadora como indicado na lista. Cherna ou qualquer outro pro player e personalidade indicados não possuem qualquer tipo de poder sobre as escolhas da premiação.
A verdade é que o sucesso no esport já se tornou normal... Porém, o sucesso de uma mulher ainda incomoda.
Cherna tornou-se símbolo de força em uma luta que não deveria existir
Uma das pautas mais atuais do esporte eletrônico brasileiro é a questão psicológica. Os jogadores estão se profissionalizando cada vez mais cedo e se vêem em uma transição brusca de um adolescente que joga em casa para um atleta que lida com fama, dinheiro, cobranças e longos período de treinamentos. Não é à toa que nem mesmo os grandes talentos resistem aos maiores períodos de pressão.
No meio disso, Cherna tornou-se um símbolo de força no Rainbow Six. A jogadora caiu com suas derrotas, mas aprendeu com maestria como se levantar sempre que algo a derruba. Atualmente, ela se encontra em uma equipe mista após decidir sair do cenário exclusivamente feminino.
Quando falamos neste caso de superação, tudo parece muito bonito, porém a luta que ela e outras mulheres travam não deveria nem ao menos existir.
O que se quer dizer com isso é: gostaríamos que Cherna fosse símbolo de força apenas no esporte. Que ela lide apenas com desafios inerentes à profissão, como derrotas, pressão de partidas importantes e outros assuntos desta natureza. Não é justo que além de tudo isso, a pro player tenha que lidar com o preconceito pelo simples fato de nascer mulher - como se isso fosse negativo de qualquer forma.
Mais um caso em uma longa lista
Apesar de Cherna ser o alvo da vez, ela não é um caso isolado... Longe disso. No final do ano passado, o mesmo aconteceu com Julia "Cute" Akemi, a primeira mulher a disputar uma partida oficial de League of Legends em um estúdio. Na ocasião, a jogadora foi julgada até antes de estrear na Liga ABCDE - mesmo tendo o maior elo da equipe e do jogo (Desafiante).
Quando os jogos começaram, não importava quem errasse. Tudo que acontecia de errado na partida, o público atribuía a culpa para a jogadora.
Outro famoso caso no Brasil é o de Olga "olga" Rodrigues. A jogadora sofreu muito ódio durante toda a sua passagem pela equipe feminina da BootKamp Gaming de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) por ser uma mulher transexual. Muitos chegaram a acusá-la de fazer parte da cena por dinheiro, como se as mulheres recebessem um grande apoio e aporte financeiro no esporte em geral, o que está longe de ser verdade. Nos grupos do Facebook, era impossível ver uma notícia envolvendo seu nome sem ler comentários desagradáveis e transfóbicos.
Como não lembrar também de Maria "Remi" Creveling? A jogadora escreveu uma belíssima história junto de seus companheiros da Renegades, chegando à LCS NA, elite do cenário norte-americano de League of Legends, um dos mais competitivos e respeitados até hoje.
O conto de fadas mais uma vez transformou-se em uma história de terror. A suporte pediu afastamento do time e, tempos depois, revelou o motivo: seu estado psicológico era crítico. Ela sofreu muito ódio por ser trans e o dono da organização em que ela jogava se aproveitou do seu estado para oferecer uma cirurgia clandestina de resignação sexual, mediante a metas atingidas pela equipe. Ela aceitou, o procedimento não saiu como deveria e ela teve que subir no palco da LCS diversas vezes com uma dor inexplicável.
Posicionamento
No dia 13 de novembro, o Prêmio eSports Brasil se posicionou contra as ofensas proferidas a Danielle "Cherna" Andrade, ressaltando a importância das mulheres no cenário e repudiando qualquer ato de ofensa às participantes do evento.
Confira abaixo:
Na postagem, o Prêmio eSports Brasil menciona a indicada Camila "Camilota XP" Silveira que, infelizmente, também recebeu mensagens negativas de pessoas por meio das redes sociais na mesma data. Por meio do Twitter, um usuário ofende diretamente Camilota apenas pelo fato dela ser a única mulher indicada na categoria Personalidade do Ano, além de tentar desmerecer o trabalho da apresentadora.
Por quê?
Apesar de toda a complicação que casos deste tipo trazem consigo, a primeira pergunta que vem à nossa cabeça é a mais simples possível: por quê? Por que pessoas devem ser julgadas ou atacadas pelo seu gênero, sexualidade ou qualquer outra característica que deveria ser banal na sociedade, já que não afeta a vida de ninguém a não ser a própria pessoa?
Ainda não há explicações para esta pergunta e talvez nunca exista. Mas de qualquer forma, a luta continua. Por isso, é importante se posicionar e apoiar quem precisa. Assim como palavras podem machucar, elas também podem curar.