Nos últimos anos, a indústria dos games tem, ao mesmo tempo, recebido títulos de alto orçamento, os famosos AAA, de enorme sucesso e uma série de jogos que apesar do grande investimento, falharam em uma das missões basilares de um video game: divertir a pessoa que decidiu dedicar seu tempo àquela aventura. Neste começo de 2023, o jogo de ação e ritmo Hi-Fi RUSH chegou de surpresa no dia 25 de janeiro para Xbox Series e PC e rapidamente se tornou um grande sucesso na avaliação de crítica e público.
Embora não reinvente a roda, o título da Tango Gameworks, estúdio fundado por Shinji Mikami e responsável pela criação de franquias como The Evil Within e Ghostwire: Tokyo, esbanja carisma em sua campanha de aproximadamente 13 horas, apresenta ums gameplay que é fácil de aprender, mas requer um pouco mais de dedicação para o aperfeiçoamento de combos "na batida certa" e em nenhum momento deixa de oferecer ao jogador uma diversão despreocupada, com uma campanha que também não cai na armadilha de estender além do necessário.
E embora Hi-Fi RUSH tenha chegado já no lançamento no Xbox Game Pass e PC Game Pass, o jogo tem feito sucesso até mesmo entre jogadores não assinantes do serviço, alcançando já em sua semana de lançamento boas vendas no Steam e aparecendo entre os jogos mais vendidos da loja online da Valve, atrás apenas do recém-lançado remake de Dead Space, Hogarts Legacy, que ainda está em período de pré-venda e deve ser um dos grandes sucessos comerciais de 2023, e o já longevo Red Dead Redemption 2.
O sucesso de Hi-Fi RUSH se tornou ainda mais significativo em função do contraste com o fiasco de Forspoken, RPG de ação da Luminous Productions publicado pela Square Enix, que foi bombardeado com avaliações negativas de crítica e público e tem grandes chances de um ser um dos grandes fracassos comerciais dos games em 2023.
É bastante possível que o título da Tango não tenha sido lançado com Microsoft e Bethesda esperando tamanho sucesso, uma vez que jogos que unem elementos de ação, hack and slash e ritmo são bastante nichados, mas a ótima recepção ao título é resultado da boa execução de um projeto que se concentrou em uma história simples, cenários não muito grandes e uma campanha bastante linear até certo ponto, mas que em nenhum momento perdeu de vista que divertir quem está jogando ainda é, ou pelo menos deveria ser, o objetivo principal de um game.
Indústria dos games tem sido afetada pela mesmice nos AAA?
Felizmente, ao longo dos últimos anos produções fora do eixo dos jogos AAA tem alcançado grande sucesso ao apresentar propostas que hoje não tem espaço nos jogos de mais alto orçamento da indústria. Games como Hades, Hollow Knight, Dead Cells, Celeste, Disco Elysium fizeram estúdios independentes alcançarem sucesso comercial e visibilidade com projetos bem executados em aspectos artísticos e de gameplay, o que mostra que grande parte do público hoje também anseia por games fora do espectro formulaico que se tornou uma verdadeira armadilha para muitas publishers de peso.
A Square Enix, por exemplo, acumula em tempos recentes, dois fiascos: Marvel's Avengers e, agora, Forspoken. A EA, por outro lado, amargou com Anthem e Battefield 2042 dois dos maiores fiascos da história da companhia, que inclusive deve promover uma reformulação na franquia. A Warner Games, por sua vez, viu Gotham Knights ter uma recepção extremamente morna e se tornar um jogo rapidamente esquecido, passando inclusive muito longe do sucesso da série Batman Arkham,
É preciso destacar, porém, que Hi-Fi RUSH está longe de se encaixar na categoria de jogo independente, uma vez que foi desenvolvido por um estúdio acostumado a desenvolver títulos de orçamento mais elevado, caso principalmente dos dois The Evil Within, e publicado pela gigante Bethesda Softworks, hoje sob o guarda-chuva da Microsoft.
O que está em discussão neste artigo é como até mesmo estúdios e publishers que poderiam se concentrar em projetos que exigem um altíssimo orçamento e com longos períodos de desenvolvimento podem, de tempos em tempos, apostar em projetos menores no aspecto financeiro pode ser benéfico em vários sentidos.
Em primeiro lugar, jogos de menor escopo e orçamento não precisam atravessar longuíssimos ciclos de desenvolvimento, especialmente quando contam com uma estrutura de uma grande publisher, caso de Hi-Fi RUSH com a Bethesda. Além disso, títulos fora do eixo dos AAA também não encaram a pressão de alcançar a marca de dezenas de milhões de cópias vendidas para "se pagarem". Ou seja, com vendas mais modestas já é possível alcançar uma margem de lucro relevante. No caso específico de Hi-Fi RUSH, o simples sucesso do jogo no Game Pass já seria suficiente para justificar a relevância do game de ação e ritmo, mas o título da Tango Softworks parece ter conquistado a atenção até mesmo de quem não é assinante do serviço.
Obviamente, todos os anos os maiores sucessos da indústria de games permanecem sendo os AAA. Em 2022, por exemplo, foi a vez de Elden Ring, God of War Ragnarok, Xenoblade Chronicles 3 e Horizon Forbidden West, por exemplo, figurarem entre os grandes lançamentos do ano. A discussão aqui é que para cada jogo que custa de R$ 250,00 a R$ 350,00 nos consoles ou PCs, há muitos outros que não chegam nem perto de alcançar o sucesso que estúdios e publishers esperam desses projetos.
A maioria dos títulos AAA de grande sucesso que vemos hoje são fruto de franquias com marcas já consolidas no imaginário do público, caso de God of War, por exemplo, ou de estúdios que tiveram o mérito de conquistar uma reputação tão positiva que qualquer novo título acaba atraindo, de imediato, a atração do público, caso de cada novo soulslike lançado pela From Software, que desde o sucesso do primeiro Dark Souls se consolidou como um dos estúdios mais badalados da indústria.
Quando Horizon Zero Dawn foi lançado em 2017, por exemplo, a Sony fez uma campanha agressiva de marketing em cima do jogo, justamente pelo fato de ser uma IP 100% inédita e um trabalho novo de um estúdio que, até então, só tinha experiência com FPSs como Killzone. Para "convencer" o público, foi preciso mostrar não apenas a exuberância visual do projeto e elementos de ação e aventura do jogo em detalhes, mas também reforçar que o jogo se diferenciava de seus pares em temática, estética e gameplay.
Por ser a fabricante de consoles mais bem sucedida do mundo desde os tempos de PlayStation 1, a Sony tem lastro para investir em peso no marketing de suas propriedades intelectuais inéditas, o que de certa forma ajuda a capturar a atenção do público num primeiro momento. Quando o jogo apresenta visuais impressionantes e recebe boas avaliações em seu lançamento, essa soma de fatores já contribui para que o título em questão trace um caminho de sucesso sem grandes percalços. E mesmo que alguns jogos tenham uma recepção mais morna, como foi o caso de Days Gone em 2019, eles ainda assim têm grandes chances de dar lucro para a companhia.
O mesmo vale para os jogos publicados pela Nintendo e Xbox Game Studios. Aqui, estamos falando de empresas com capital elevado o bastante para não só para investir no marketing de seus principais lançamentos, como também para aguentar projetos que eventualmente não sejam bem sucedidos.
A Nintendo amargou um período de vendas baixas com o Nintendo WiiU, mas o enorme sucesso do Nintendo Switch passa não apenas pelos méritos do console, que atraiu o público por sua grande praticidade de jogar em diferentes ambientes, mas pelo imenso sucesso da maioria de seus principais lançamentos Muitos desse jogos são, inclusive, novas iterações de franquias há décadas já consolidadas, como Mario, The Legend of Zelda, Super Smash Bros. e Mario Kart, enquanto franquias mais recentes, como Splatoon e Xenoblade Chronicles, conquistaram seu espaço como séries exclusvas dos consoles da Big N.
O caso da Microsoft é o mais peculiar entre as três grandes fabricantes de console. Em um período no qual o PlayStation 4 vendia muito mais que o Xbox One, a gigante de Redmond criou o Xbox Game Pass e investiu massivamente no marketing do serviço de assinatura tendo como mote a oferta de centenas de jogos no catálogo por uma assinatura mensal mais acessível. Com o tempo, a Microsoft ampliou a oferta de jogos, colocou todos os principais títulos da Xbox Game Studios no Game Pass já no lançamento, investiu de forma massiva na compra de estúdios e firmou parceria com grandes publishers third party, como a EA.
Com um grande número de IPs sob seu guarda-chuva, a Microfost tem trabalhado em duas frentes. Ao mesmo tempo em que investe em jogos AAA de suas principais franquias, como Halo, Gears of War, Forza Horizon, Forza Motorsport e Fable, aposta em projetos menores (no sentido financeiro) de estúdios que hoje pertencem à companhia.
Títulos como Pentiment, da Obsidian Entertainment, Grounded, também da Obsidian, e Hi-Fi RUSH não são jogos com o orçamento tão elevado como os AAA nem apostam em gráficos ultrarrealistas, que cada vez mais se tornam sinônimo de games de alto orçamento, para o bem o para o mal. Por outro lado, esses projetos diversificam o catálogo de jogos do Game Pass e, ao mesmo tempo, são lançados em lojas como a Steam para quem não necessariamente deseja assinar o serviço. É difícil precisar o quão bem sucedidos esses títulos seriam comercialmente sem o suporte de uma empresa bilionária por trás, mas é positivo que games de escopo menor recebam esse apoio também fora dos estúdios independentes.
No fim, a lógica comercial é o que norteia todas as fabricantes de console, estúdios e publishers de jogos, mas não há só um caminho para alcançar esse objetivo. Se o mercado de AAA está saturado com títulos muito similares uns aos outros, é importante que grandes empresas também fique mais atenta ao que estúdios independentes têm feito e apostem elas próprias em novas ideias. A Tango Softworks, dos survival horrors The Evil Within e estúdio fundado pelo criador de Resident Evil, saiu da zona de conforto com Hi-Fi RUSH e encontrou num projeto bem diferente de tudo que tinha feito até então um sucesso surpreendente e, por que não, muito bem vindo.