Sabemos que J.K. Rowling, a escritora dos livros de Harry Potter, foi muito criticada em múltiplas redes sociais por posicionamentos em relação à comunidade trans, ao ponto de sofrer um "cancelamento", isso é, quando múltiplas contas bloqueiam uma pessoa e param de consumir qualquer tipo de conteúdo desse indivíduo diretamente. Será que isso pode afetar Hogwarts Legacy de alguma forma?
No meio das polêmicas, a escritora recebeu críticas de atores do elenco, como Emma Watson, que interpreta Hermione, Evanna Lynch, que interpreta Luna, além do próprio Stephen King, escritor famoso por obras como It: A Coisa, O Iluminado e Carry, A Estranha.
Entenda de uma vez por todas a polêmica envolvendo J.K. Rowling
A história é longa e é preciso trazer pontos de todos os lados, para não haver brechas e uma interpretação parcial dos fatos. Resumindo, J.K. Rowling tem associação com o feminismo radical e alguns de seus posicionamentos geram polêmica, fazendo uma parcela de seu público se incomodar.
A escritora de Harry Potter a princípio se mostrava a favor de minorias, inclusive em 2017, quando o presidente Trump poderia aprovar um projeto de lei que expulsasse pessoas trans das forças armadas, ela se posicionou contra, até então apoiando esse grupo minoritário.
Tudo começou a mudar em 2020, quando J.K. comentou uma matéria que tinha em seu título a expressão "pessoas que menstruam" e a escritora criticou o ato, deixando claro que o termo "mulher" é que deveria ser usado. A matéria tinha o intuito de ser inclusiva com pessoas trans-masculinas, ou seja, pessoas que tiveram o sexo feminino designadas a si, mas que se identificam com um gênero masculino e, muitas vezes podem fazer uso de hormônios.
A escritora afirmou que não se pode apagar o sexo, que isso seria o mesmo que apagar as mulheres e toda a sua luta. A oposição respondeu, de modo geral, que não se trataria de um apagamento, mas sim uma inclusão, de modo que mulheres estariam inclusas no termo, mas também homens trans, além do que, já existem muitos textos, sites e todo tipo de conteúdo direcionado especificamente para mulheres cis, de modo que o status quo é que gera um apagamento e o texto foi uma inclusão.
"A ideia de que mulheres como eu, que têm empatia por pessoas trans há décadas e sentem afinidade por elas, porque são vulneráveis do mesmo modo como as mulheres - isto é, à violência masculina - 'odeiam' pessoas trans porque pensam que sexo é real e vivem as consequências disso é um absurdo".
Muitos atores e escritores se pronunciaram contra a escritora inclusive muitos fãs começaram uma piada, afirmando que Emma Watson escreveu Harry Potter e não J.K, para separá-la da obra.
Não para por aí...
Até então, muitos fãs identificaram uma transfobia, enquanto outros não viram nada de errado. Só que J.K. não parou por aí, já que ela defendeu uma mulher que foi demitida de seu trabalho por ser transfobica. A pesquisadora Maya Forstater alegou que seu contrato de trabalho não seria renovado por postar em seu Twitter que mulheres não deveriam mudar de sexo e que um homem nunca será uma mulher.
Entre um caso e outro, J.K. cometeu uma gafe que foi o estopim para seu cancelamento: postou em suas redes sociais um link para um site com teor feminista radical. Entre os produtos vendidos muitos diziam frases como "trans não existe" ou mesmo afirmações ainda mais violentas relacionando pessoas trans ao estupro. Além disso ela começou a postar textos que insinuavam que mulheres trans eram homens estupradores e uma ameaça para as mulheres.
No caso da autora, ela deixa evidente que as pessoas precisam ser separadas por sexo e não por gênero, isso é, para ela uma mulher trans não deveria ter os mesmos acessos que uma mulher cis, por ser do sexo masculino, portanto homem. Isso se confirma quando ela se juntou ao Trump em 2020, apoiando projetos de leis que visavam separar tudo por sexo biológico, o que poderia prejudicar pessoas trans.
A situação fica um pouco mais explícita
Embora algumas das situações acima possam ser ambíguas para muitos leitores, o fato de colocar mulheres trans como estupradoras e pessoas perigosas, além da divulgação do site feminista radical, deixa bem evidente um posicionamento problemático da escritora.
Muitos a chamaram de TERF (Trans Excludent Radical Feminist) ou seja feminista radical trans-excludente, uma vertente de feminismo que possui diversas subvertentes que não reconhecem pessoas trans por seu gênero, um movimento crescente na Inglaterra.
Por fim, recentemente um homem fez um comentário no Twitter dizendo que prefere ter HIV/Aids do que apoiar o movimento trans, já que o vírus é controlável e não castra garotos gays inocentes. A ideia por trás dessa fala é que o ativismo trans está confundindo gays e lésbicas, o fazendo pensar que são de um gênero ao qual não pertencem, está corrompendo e enganando, fazendo com que se mutilem (quando existe a cirurgia). Lembrando que nem toda pessoa trans necessita de cirurgia e pressupor isso é algo problemático. Ele foi banido temporariamente e após voltar, J.K. deu as boas-vindas.
É interessante comparar esse pensamento ao mesmo que as pessoas mais conservadoras faziam em relação aos LGBTs, dizendo que o "movimento gay" iria corromper as crianças e adolescentes. A roupagem é diferente, mas a essência é um tanto quanto igual: um grupo de pessoas perigosas mudando a ideia de pessoas inocentes.
A Escócia iniciou um projeto de lei que facilita a mudança de gênero para pessoas trans, já que atualmente elas precisam ter um certificado de disforia de gênero de um psiquiatra, passar em psicólogos por até dois anos, viver ao menos 30 dias no gênero desejado, assinar um documento judicial e, caso decidam voltar atrás (algumas pessoas trans voltam atrás com a transição) podem até mesmo ser presas por falsidade ideológica.
J.K. se posicionou contra, pois isso facilitaria demais e colocaria as mulheres em risco, pois essas pessoas trans teriam acesso à ambientes que só mulheres tem, o que geraria um perigo e ocorreria um número maior de abusos.
Um novo livro da autora também vem causando polêmicas. Ele se chama The Ink Black Heart e trata de um detetive que investiga um assassinato de uma mulher considerada racista, capacitista e transfóbica. A autora afirma que o livro não tem relação com sua situação atual, pois foi escrito antes de todas as polêmicas. A obra está sob o pseudônimo de Robert Galbraith. J.K. nega que o pseudônimo seja baseado em Robert Galbraith Heath, um psiquiatra muito conhecido que apoiava a conversão de pessoas LGBT e realizou muitos tratamentos de eletrochoque, realizando experimentos em cobaias e até mesmo torturas.
E Hogwarts Legacy? O game pode ser prejudicado?
J.K. foi totalmente afastada da produção do jogo, de modo que ironicamente é possível criar personagens trans para enfrentar os perigos de Hogwarts. Ela também teve um certo afastamento dos filmes de Animais Fantásticos, mas o fato é que as obras são delas e no fundo, ela manda e ela lucra.
Muitos fãs decidiram não consumir mais nada da escritora de Harry Potter, por conta de seus posicionamentos, que é o que poderíamos chamar de cancelamento, um boicote de um grande número de fãs entristecidos. Isso é efetivo? A verdade é que esse "cancelamento" pode afetar muitas pessoas, mas quando falamos de uma escritora extremamente renomada, que é bilionária, simplesmente é algo surreal. Algumas pessoas são imunes ao cancelamento.
Hogwarts Legacy dificilmente seria afetado por algum tipo de boicote ou posicionamento fervoroso de pessoas indignadas com as ideias da escritora, pois ela já tem sua obra muito bem estruturada, além de sua personalidade. Se o RPG vai falhar, será por sua qualidade e mérito próprio.