Stray é, indiscutivelmente, um dos grandes sucessos dos games em 2022 e um dos jogos mais fofos já lançados nos últimos anos. O "jogo do gato", como ficou popularmente conhecido no Brasil, é um trabalho feito na medida para cativar qualquer pessoa que ame animais de estimação, em especial gatos, obviamente. Os primeiros trailers foram capazes de gerar vídeos de react nos quais criadores de conteúdo simplesmente paravam e admiravam o quão fiel o gato protagonista do jogo reproduzia com precisão os pequenos gestos dos felinos na vida real. Nesse aspecto, o jogo foi tão bem sucedido que os modders já usaram e abusaram da criatividade, a ponto de proporcionarem momentos absolutamente bizarros.
Em toda essa parte, o projeto desenvolvido pela BlueTwelve e publicado pela Annapurna Interactive é impecável, pois realmente simula com precisão o comportamento de um gato no dia a dia, do jeito de andar até a forma de arranhar objetos como sofás. Contudo, Stray é um jogo não mais que mediano em todo o resto que se propõe, seja nas sessões de plataforma, nos quebra-cabeças ou até mesmo na história, que tinha enorme potencial para ser o ponto forte do jogo, mas não vai além de arranhar a superfície.
Stray é um jogo de curta duração, mesmo em comparação a outros games independentes com preço de lançamento equivalente, e ainda assim deixa a sensação de que se tivesse mais horas de campanha, deixaria uma sensação ainda maior de que é um jogo em que há pouco de interessante a se fazer além de admirar os pequenos gestos de seu protagonista. Mesmo que você seja uma daquelas pessoas completamente dedicados a desbloquear todas as conquistas e troféus do jogo, dificilmente levará mais que 8 horas. Caso o único grande objetivo seja zerar o jogo e fazer alguns conteúdos não obrigatórios, algo entre 5 e 6 horas será mais do que suficiente. Stray é, em essência, um jogo mediano e nada memorável em todos os aspectos de gameplay que o cercam.
Sessões de plataforma e puzzles pouquíssimo criativos
Passado pelo encanto à primeira vista, provocado por um protagonista cativante uma atmosfera cyberpunk nada inovadora, mas bem construída, a progressão de Stray na campanha depende de sessões de plataforma e puzzles (quebra-cabeças) e alguns momentos de fuga. O problema é que Stray é um jogo pobre na execução de todos esses elementos.
Como jogo de plataforma, Stray não oferece qualquer tipo de desafio aos jogadores, uma vez que é essencialmente impossível errar. A sensação que fica é que praticamente todo o cenário é que Stray não passa de uma travessia de um ponto a outro, sem oferecer qualquer sensação de risco e recompensa nas partes de plataforma, o que faz o projeto da BlueTwelve pobre e sem brilho nesse aspecto.
Os quebra-cabeças do jogo, por sua vez, também não oferecem grandes desafios, mesmo considerando que puzzles existem nos games, ao menos em teoria, para forçar o jogador a pensar em busca de soluções para progredir. Nada disso acontece em Stray, de modo que derrubar e empurrar alguns objetos são o suficiente para abrir caminho para mais uma sessão de plataforma entediante.
Ainda que haja alguns quebra-cabeças mais longos, a única coisa que eles apresentam de "desafiador" é sua duração, ou seja, o número de etapas a serem cumpridas para abrir caminho e prosseguir, mas não há um desafio real ali, apenas o alongamento desses momentos para que o gato mostre todas as suas habilidades.
Por fim, há alguns momentos de fuga de criaturas (explicações com alguns spoilers na próxima seção do texto) que podem ferir o gatinho protagonista, mas mais uma vez o caminho é extremamente linear e sem nenhum momento memorável.
História tem potencial desperdiçado (alerta de spoilers)
Além da fofura do gato protagonista, certamente o ponto alto do jogo, Stray tem uma história com grande potencial e alguns momentos emocionantes, mas não consegue ir além disso. Na trama do jogo, a humanidade foi afetada por uma praga global e construiu cidades subterrâneas para sobreviver, o que funcionou por um tempo. Porém, o excesso de lixo produzido pelos humanos tornou as condições de vida nessas cidades simplesmente horríveis, e cientistas decidiram criar uma superbactéria capaz de devorar esse lixo.
Conhecidas como Zurks, essas bactérias evoluíram e passaram a devorar tudo a seu redor, incluindo carne humana e metal. Todos os robôs que vemos no jogo, incluindo o drone B-12, a "mochila" do gatinho do jogo, dizem que a humanidade não existe mais, pelo menos não naquela cidade subterrânea, e a existência ou não de humanos se torna um mistério que cerca toda a campanha.
Na história, o gatinho de Stray se perde da família e acaba parando na cidade na qual jogamos ao longo de toda a campana, durante a qual ele se depara com robôs com comportamento humano em vários aspectos e que proporcionam alguns momentos tocantes...com ênfase no alguns.
Assim como o protagonista, Stray tem uma história fofa e um final emocionante (evitaremos spoilers) nessa parte, mas com exceção de uma conclusão cuidadosamente construída para emocionar, Stray oferece uma história muito inferior a outros jogos desenvolvidos por estúdios menores. Para citar apenas alguns jogos que procuram apresentar uma história emocionante e um clima mais imersivo, Spiritfarer, da Thunder Lotus Games, Ori and the Blind Forest e Ori and the Will of the Wisps, da Moon Studios, criam tramas muito mais envolventes e emocionantes mesmo sendo títulos de escopo mais modesto que os triple A (jogos de grande orçamento) do mercado.
Em linhas gerais, Stray é um título mediano na parte de gameplay e apresenta uma história com enorme potencial, mas apenas com bons momentos pontuais. O final do jogo é realmente um ponto alto, mas o caminho até lá é arrastado e, em certos momentos, desinteressante, mesmo com uma história curta.
Pouco a oferecer além de um protagonista fofo
Stray é um jogo que certamente gerará conteúdo por alguns meses, pois os momentos em que vemos o gato do jogo se comportando exatamente com suas versões na vida real costumam render ótimos cortes de vídeos com potencial de viralização nas redes sociais. Essa tendência é ainda mais forte entre pessoas que têm uma forte relação afetiva com gatos, o que fará Stray conversar inclusive com um público que vai além dos games, um acerto incontestável dos desenvolvedores.
Toda essa atmosfera fofa criada pela BlueTwelve é, sem dúvidas, um grande mérito, mas quase todas as vezes que tenta oferecer algo além disso, Stray se mostra um título sem qualquer elemento realmente digno de nota nos aspectos mais relevantes de gameplay aos quais o propõe a executar, sejam as sessões de plataforma, os quebra-cabeças ou os momentos de fuga.
Ainda assim, o projeto tem se mostrado muito bem sucedido no aspecto comercial e bastante querido por aqueles que adquiriram uma cópia do jogo. A chuva de avaliações positivas na Steam e de usuários no Metacritic são provas de que Stray já é dos grandes sucessos de 2022 e, por isso, um forte candidato a ser indicado ao The Game Awards 2022. Ainda assim, não há nada muito memorável no jogo além do óbvio apelo que ele já tinha antes mesmo de ser lançado, pois os principais momentos de brilho deste projeto são quase sempre atrelados ao quão encantador o protagonista da trama é, e há pouco a se explorar em Stray além disso.