A Justiça de São Paulo condenou a Imperial, que no começo do ano formou um time de CS:GO com Fallen, Fer, Fnx, Boltz e VINI, a pagar R$ 400 de indenização à família do jogador Matheus "Brutt" Queiroz, jogador que morreu em dezembro de 2019, quando defendia a organização. Uma das grandes promessas do cenário brasileiro de Counter-Strike, Brutt já relatava à família constantes dores de cabeça desde os tempos em que defendia a Team Reapers. O jogador morreu 15 de dezembro de 2019, vítima de uma infecção do sistema nervoso central não especificada.
De acordo com o GE, que teve acesso à sentença, a juíza do trabalho Patricia Almeida Ramos, da 69ª Vara do Trabalho de São Paulo, considerou que a Imperial colaborou indiretamente" para a morte do atleta, pois não pediu exames médicos para o atleta ao contratá-lo, não oferecia alimentação adequada ao atleta nem boa ventilação nos quartos e ambientes de trabalho na antiga gaming house da organização. A magistrada também reconheceu vínculo empregatício entre Brutt e Imperial.
Na sentença, Patricia Almeida Ramos analisou em conjunto os dois processos abertos pela família de Brutt - um relacionad ao reconhecimento de vínculos trabalhistas e outro ligado a um pedido de indenização por danos morais. No texto da condenação à Imperial, a magistrada considerou que a organização não ofereceu a Brutt uma estrutura e ambiente de trabalho adequados ao atleta. Por isso, determinou o pagamento de R$100 mil reais a cada um dos quatro autores da ação: a mãe, o pai e dois irmãos do atleta. Embora tenha destacado na sentença que a morte de Brutt é "impassível de reparação", a juíza pontuou que a condenação tem também o objetivo de "impedir que o empregador pratique novamente o ato com os demais empregados é objetivo da indenização".
"A criação de uma estrutura digna e consentânea com as normas de higiene e segurança do trabalho atrelada aos cuidados com a vida, a integridade e o bem-estar de quem nela se insere são medidas que se impõem, principalmente se se considerar que, em geral, são pessoas mais jovens que se interessam pelo esporte e, para dele fazerem parte, deixam suas famílias a fim de morarem em um local estranho, em que o profissional se mistura com o privado", destacou.
A magistrada frisou também que, com base nas provas coletadas durante o processo, as instalações do banheiro da Imperial eram precárias e que não havia ventilação adequada na gaming house em instalações como dormitórios e ambientes de trabalho da Imperial, como a sala na qual os jogadores treinavam e disputavam competições online.
Ainda no texto da condenação, Patricia Almeida Ramos considerou que a alimentação oferecida pela Imperial na gaming house era insuficiente para os atletas. Embora uma cozinheira fosse às instalações da Imperial três vezes por semana, sempre que a comida acabava os jogadores precisavam preparar as próprias refeições com os alimentos disponíveis na casa ou então comprar refeições por aplicativo. Segundo a magistrada, a Imperial tinha o dever de "proporcionar aos atletas refeições saudáveis, balanceadas e periódicas ao longo do dia (no mínimo, café da manhã, almoço e jantar)".
Juíza critica postura da organização durante o processo
Apesar da condenação de R$ 400 mil contra a Imperial, a juíza não reconheceu algumas das irregularidades alegadas pela família de Brutt, como condições insalubres de trabalho ou falta de tempo para descanso. Patrícia Almeida Ramos que os relatos de Brutt não são suficientes para provar que as condições de trabalho eram insalubres.
Sobre a dificuldade de dormir frisada pelo atleta em trocas de mensagens, a magistrada destacou que ela era causada pelo barulho dos aviões do Aeroporto de Congonhas e pela falta de ventilação do quarto, e não pelo fato de o jogador estar à disposição da Imperial 24 horas por dia. Ainda assim, Patrícia criticou as condições de trabalho oferecidas pela Imperial à época.
"A partir do momento em que a ré (Imperial) se predispôs em constituir uma gaming house para reunir os jogadores de sua equipe, submetendo-os a treinos mais intensos e focados, visando melhor performance, deveria ter observado as diretrizes legais e contratuais em prol da preservação da saúde e integridade bio psicofísica e social dos atletas sob sua coordenação", disse a juíza, que ainda reprovou declarações dadas por representantes da Imperial durante o processo.
"A entidade de desporto, como é o caso da reclamada (Imperial), que simplesmente ignora todo um arcabouço jurídico que protege a saúde e o bem-estar de um modo geral e, em particular, dos empregados, escondendo-se atrás de alegações do tipo "ninguém reclamou", "todos queriam que ficasse do jeito que está", "a mãe concordou", "havia uma mãe que ia lá" e "as reclamações eram brincadeira" merece, além da reprovação social, ser responsabilizada legalmente", acrescentou.
Ainda no texto da condenação, a juíza frisou que a Imperial também foi negligente na contratação de Brutt, pois não pediu a realização de exames médicos do atleta para saber como estava a saúde do pro player no momento que ele se juntou à equipes, e também prestou assistência adequada ao jovem quando ele reclamou de constantes dores de cabeça.
Além disso, ela destacou que Brutt foi muitas vezes a unidades de saúde sem estar acompanhado de representantes legais da organização, estando apenas com colegas de time, alguns menores de idade, e namoradas de atletas do time. A organização também não arcou com todas as despesas necessárias do jogador quando ele manifestou problemas de saúde.
"Era dever seu que arcasse com suas despesas médico-hospitalares, bem como com os custos de todos os medicamentos, notadamente porque, embora não seja possível uma definição precisa, não há como descartar que patologias caracterizadas por lesões cerebrais não se insiram dentro dos riscos inerentes à profissão de jogador de esports", disse.
"A negligência da ré (Imperial), neste particular, é manifesta, considerando não só o relato da defesa, como o teor de todas as provas produzidas nos autos. No afã de imputar culpa à família do jogador, a peça contestatória está recheada de trechos que demonstram o conhecimento da ré [Imperial] sobre o debilitado estado de saúde do Sr. Matheus (Brutt), desde que ele ingressou em seu time, situação essa mantida durante todo período no qual morou na gaming house e que proporcionou algumas idas suas a hospitais públicos. A partir do momento em que o Sr. Matheus (Brutt) vinculou-se através de relação de emprego com a reclamada (Imperial) e foi morar na gaming house por ela mantida, sua saúde e integridade psicofísica passaram a ser obrigação legal e contratual da empresa, notadamente porque o ambiente de trabalho confundia-se com moradia, sem possibilidade de separação das atividades profissionais da vida particular", complementou", complementou.
Brutt tem vínculo empregatício com Imperial reconhecido
A juíza também acatou o pedido da família de reconhecimento de vínculo empregatício entre Brutt e a Imperial. Embora não tenha sido assinado um contrato específico entre organização e atleta, Patrícia frisou que todas as relações que caracterizam um vínculo trabalhista existiam no período em que o atleta defendeu Imperial.
"Presentes os requisitos legais, quais sejam, a pessoalidade com o Sr. Matheus se deu em face de suas diferenciadas habilidades para o jogo "CS:GO", habitualidade (o atleta morava na gaming house), estrutura criada e subsidiada pela reclamada (Imperial), participando diariamente dos treinos, onerosidade (houve pagamento no período em que lá esteve) e subordinação (o jogador submeteu-se a uma rotina de treinos/jogos), a existência do vínculo de emprego é irrefutável", enfatizou.
Em comunicado enviado ao GE, a Imperial negou que o período em que Brutt defendeu a organização agravou seu quadro de saúde ou foi causador de sua morte, e frisou que irá recorrerá da condenação no ribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A defesa da organização disse, ainda, que a sentença em 1ª instância foi equivocada
"A defesa técnica da empresa Imperial declara que, com o devido respeito, a sentença proferida encontra-se equivocada e a empresa irá dela recorrer para o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, visando sua reforma e restabelecimento da justiça.
O jogador Matheus Queiroz Coelho prestou serviços por cerca de 40 dias apenas e não seria até razoável que a empresa houvesse sido a causadora de sua doença e morte.
A empresa cumpriu suas obrigações, proporcionou-lhe totais condições de realizar seu jogo, lamentando profundamente o falecimento. Prestou-lhe toda assistência, inclusive à sua família.
No mais, a narrativa dos demais fatos e argumentos constarão do recurso que será regularmente apresentado no processo judicial", destaca a equipe.